tag:blogger.com,1999:blog-63113497244598278692024-02-22T18:53:56.649-03:00Leituras do Séc. XXISEMINÁRIOS 2014
LITERATURA BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA: AUTORES QUE ESCREVEM O SÉCULO
Anonymoushttp://www.blogger.com/profile/09996005568037835978noreply@blogger.comBlogger70125tag:blogger.com,1999:blog-6311349724459827869.post-24352049015665626932014-10-10T17:14:00.001-03:002014-10-10T17:15:08.626-03:00Solidão Continental - Trecho do romance de João Gilberto Noll<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<i><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh2GFPvy1bvW6QbzRz046lKUTOy5WIbgwh7aw24vDGugwS6ps4zKYBs2rx8HheZCY4FZ5kBsRl9UUF0vvb9IlqgZupa4GhsfqNrPrTZTFBuNWbbx4T5Vlyz71eWPBGJetmbzQ9J_Qx5IgDK/s1600/continental_noll.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh2GFPvy1bvW6QbzRz046lKUTOy5WIbgwh7aw24vDGugwS6ps4zKYBs2rx8HheZCY4FZ5kBsRl9UUF0vvb9IlqgZupa4GhsfqNrPrTZTFBuNWbbx4T5Vlyz71eWPBGJetmbzQ9J_Qx5IgDK/s1600/continental_noll.jpg" height="266" width="400" /></a></i></div>
<br />
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<i>Se o cão caminhava rente a mim parecia por falta de coisa melhor para
fazer. Talvez tivesse entrado na mecânica indolente dos meus passos.
Nada mais que isso. Sei que me sentia mortalmente desfamiliarizado com o
ambiente e que assim eu só poderia perceber o cão feito uma sombra que
se alienara de sua matriz — seu corpo verdadeiro habitava uma fonte que,
mesmo querendo, eu não podia alcançar. Parecia haver um mundo onde as
coisas se preservavam íntegras, mundo com o qual eu tinha rompido em
conseqüência de uma doença qualquer.</i></div>
<i>
</i>
<div style="text-align: justify;">
<i>No lado de lá do muro havia uma escavadeira parada. Marcando talvez
uma obra que estivesse para ser iniciada. Ou que sofresse um impasse em
sua continuidade logo em seu começo. Em volta da máquina uma verdadeira
argila não tivera tempo de se ressecar. Perguntei-me se ali não
acontecia nada — como me sentia prestes a acreditar. Um beija-flor
suspendia o vôo em frente a uma margarida cansada e entre as macegas uma
cigarra ferrava o seu canto, aumentando o calor.</i></div>
<i>
</i>
<div style="text-align: justify;">
<i>O cachorro já se dispersara de mim. Mirei o azulão do céu, em
inusitado regozijo. Não me comprometeria com os ingredientes do cenário.
Salvo com a visão insistente do céu — superior aos pequenos dramas que
me consumiam. Restaria saber como reassumir a minha faina diária: como
voltar a beber da água matutina ingerindo os meus remédios e reembarcar
nos meus afazeres do cotidiano, medianamente aflito por não poder dar
conta de mais um dia refratário ao meu entendimento…</i></div>
<i>
</i>
<div style="text-align: justify;">
<i>E depois disso eu teria ainda algum futuro? Como voltar a provar da
rotina inofensiva quando se experimenta um mundo como aquele, a se
mostrar radicalmente indiferente à minha percepção? Passei a mão pelos
pontos do meu couro cabeludo e soube mais uma vez que eu viera mesmo do
pronto-socorro e não de minha casa e que era para o hospital que eu
deveria voltar, sob pena de queimar uma etapa grave e não encontrar mais
minhas próprias referências na cidade, supus.</i></div>
<i>
</i>
<div style="text-align: justify;">
<i>Ajoelhei-me de cansaço sobre a terra seca. Precisava decidir como
voltar. Estava num deserto nos fundos daquela casa. Eu tinha sede. Não
queria entrar novamente na casa, pedir água a quem se dissolvera nas
sombras me deixando no abandono. Pela claridade, haveria ainda muito dia
pela frente. Então tirei a camisa, levei a cabeça para trás e
calmamente a torci sobre a boca sedenta. Espremia do pano um líquido
alaranjado, misto de suor e sangue renitente, e eu fingia que aquilo me
dava algum grau de saciedade.</i></div>
<i>
</i>
<div style="text-align: justify;">
<i>Não que esse gesto conseguisse de fato aplacar a minha sede, mas
devolvia para mim um tantinho do meu sangue com que poderia me
restaurar, a tempo de eu chegar naquilo que eu aprendera a reconhecer
como Porto Alegre com uma nova força, muito longe da situação que me
prendia ao prédio sebento do pronto-socorro. Passei a mão pelos pontos
de minha cabeça e pensei se não seria o caso de eu voltar ao hospital,
aquele mesmo, na esquina da Venâncio Aires com Osvaldo Aranha e dali só
sair de novo com a anuência médica. Pensei que só assim eu poderia
retomar a marcha dos acontecimentos, depois do hiato da aventura com
Frederico sob o causticante sol daquele tempo — uma aventura muda, agora
me dava conta, sim, em que não trocamos uma única palavra.</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<i>
</i>
<div style="text-align: justify;">
<i><b>13.<br />
</b>Olhei para a exuberância do azul do céu e senti que precisava
falar com alguém, alguém que pudesse me confirmar, sim, que eu era um
homem da mesma espécie do interlocutor e que me encontrava naquela
paisagem cuja terra se mostrava em sulcos devido à seca da região, e que
o dia era bonito mesmo e o sol doía no lombo.</i></div>
<i>
</i>
<div style="text-align: justify;">
<i>Vesti novamente a camisa para me proteger. Eu deveria mantê-la no
corpo, mesmo que um leve vestígio de sangue ainda insistisse depois da
lavagem. Quando chegasse à cidade eu estaria então completamente
vestido, inspirando respeito e em conseqüência compreensão pela minha
roupa de resto em estado de miséria.</i></div>
<i>
</i>
<div style="text-align: justify;">
<i>Mas não estava ainda naquilo que eu pudesse considerar uma cidade.
Por onde eu olhava via terra esturricada, estrume de animais naquele
instante invisíveis, arbustos, macegas, árvores frondosas sob as quais
eu era instado a parar por minutos para não cair em insolação. Formigas
saíam por fendas da terra e pensei até em ser uma delas para estar em
atividade no entra e sai dos formigueiros.</i></div>
<i>
</i>
<div style="text-align: justify;">
<i>Divisei um vulto olhando para a terra. Aproximei-me, eu precisava ouvir alguém me perguntar e eu responder, falar.</i></div>
<i>
</i>
<div style="text-align: justify;">
<i>Era um homem velho. Vestia uma camisa e uma bermuda brancas. Ele
olhava uma sepultura avulsa. O túmulo se encontrava bem abandonado. Na
lápide encardida havia o nome do morto: Elio Drago. Dei boa-tarde ao
velho de branco. Dirigi-lhe a palavra, perguntei: Quem está enterrado
aí? É o dono dessa granja, ele respondeu. “Era italiano, veio fugido da
Itália, depois que manteve relações libidinosas com uma sobrinha de 13
anos, isso se soube pelo seu irmão solteiro que veio atrás do mano e se
suicidou meses após a chegada.” Quem o quê?, tive vontade de indagar.
Senti-me momentaneamente aturdido diante da fala do homem de branco.</i></div>
<i>
</i>
<div style="text-align: justify;">
<i>“Aqui Elio Drago se juntou a uma amante pelo resto da vida, uma
mulher trinta e cinco anos mais nova, já mãe solteira de um menino. Ele
criou o menino, deu-lhe inclusive seu nome de família. Hoje é um jovem
que vem às vezes visitar a mãe. É o Frederico, Frederico Drago, que foi
viver por sete anos na Itália assim que fez 16 anos, voltou de lá há uns
três meses.”</i></div>
<i>
</i>
<div style="text-align: justify;">
<i>Frederico nascera e tinha sido criado no Brasil. E, mistério dos
mistérios, queria aprender a falar português comigo. Ali concluí que eu
não o veria mais. E que jamais deslindaria o enigma de um garoto que
fora alfabetizado em português querer que eu lhe ensinasse a falar essa
língua. Que ardilosos planos ele poderia ter, nos quais me tivesse
incluído? Um garoto a almejar sobrepor o meu português ao dele… Pouco a
pouco fingiria o sucesso do aprendizado ao pronunciar palavras desse
idioma, a formar frases inteiras, a cantarolar canções brasileiras,
afirmando possuir uma facilidade tamanha para idiomas, falava com
fluência inglês, francês, espanhol, italiano, claro, agora a língua
portuguesa, a pronúncia exata, sem sotaque, perfeita, o ritmo da
conversação nativa… Eu me admiraria por certo e vassalo cairia diante do
seu raro pendor em seduzir.</i></div>
<i>
</i>
<div style="text-align: justify;">
<i>O velho coçava o púbis com insistência. Falava e coçava o púbis.
Reparei que o tecido branco de sua bermuda mostrava-se encardido na
região da pélvis de tanto que ele passava a mão ali, não sei com que
sentido, sei lá se como um timbre desabusadamente sexual ou o de
reiterar que ele era quem era porque trazia em si a marca de uma
liderança viril, mesmo que cansada. Não sei se ele queria representar
para mim um confronto calado, a demonstrar que eu, mesmo mais novo, não
tinha a disponibilidade que ele tinha em sua como que argumentação
física. Cheguei a pensar que, por artes da insolação, eu tinha diante de
mim justamente a figura do morto enterrado a meus pés, o pai adotivo de
Frederico, rapaz de quem eu precisava fugir. E pensei que agora talvez
eu pudesse ser despertado enfim por um real apelo carnal, mesmo que esse
sopro viesse daquele velho à beira de sua própria sepultura, ele
passava a mão no púbis feito uma ladainha pagã, sublinhando cada
informação que ele discorria sobre Elio Drago, ele próprio, o lúbrico, o
insensato, o fugitivo de seu país para os braços de uma brasileira
trinta e cinco anos mais nova, mãe de Frederico Drago, bebê que ele
ninava na escuridão do quarto, entoando baixinho canções da Toscana, sua
pátria, até que se deita e beija a bochecha da criança e adormece com
Frederico no peito; o garotinho se acomoda com o jeito de mamar na mãe
que está na cozinha diante do fogão, auscultando o ponto exato para o
macarrão.</i></div>
<i>
</i>
<div style="text-align: justify;">
<i>Elio Drago se encontrava ali comigo. Talvez eu não quisesse dormir
aquela noite, eu não quisesse acordar. Eu e aquele velho com a região
pélvica escura de tanto manuseio enigmático poderíamos passar as
próximas horas vivendo aquilo que eu não conseguira experimentar com
Frederico, seu enteado, começaríamos agora, eu daqui, ele de lá — mas e
daí?, o que poderia acontecer eu daqui ele de lá, assim —, só me restava
fechar os olhos e me alucinar com aquilo que o sol inclemente
processasse na minha cabeça quebrada, um homem com dificuldade de
lembrar o próprio endereço, quem sabe seu nome, agora na companhia
daquele velho à beira de sua própria sepultura, aqui, sob esse sol de
40º, pois é, aqui, eu tendo de ir embora pois precisava pegar Porto
Alegre ainda de dia, para entrar no meu pronto-socorro, deitar na minha
maca e deixar que o destino me reiniciasse, amém.</i></div>
<i>
</i>
<div style="text-align: justify;">
<i>O velho com a braguilha encardida parecia ser todo olhos para o
túmulo onde voltaria a morrer. Segui viagem antes que caísse a tarde.
Virei a cabeça uma vez. Ele já não estava à flor da terra. Mesmo assim
abanei para sua ausência, um pouco culpado por não ter tocado em seu
braço, alguma outra parte, por não lhe ter transmitido um pouco do calor
de vivo… Andei, andei, parei diante de uma árvore com um tanto das
raízes à vista, o tronco coberto de hera. A sombra que caía me fez
pender a cabeça não pensando em nada, e o que vi foi uma flor viçosa,
aveludada, de que eu não sabia o nome, roxa, pétalas meio aladas, asas
de borboleta sob a brisa esvoaçavam, pousavam nos meus pés, beijavam
meus sapatos e então cessavam. Daquela erupção da terra, roxa, vinha um
perfume agreste, tão penetrante que parecia que toda a presença do mundo
estivesse posta ali, naquela sucinta corola, rente à qual um desenho
trêmulo de um colibri suspendia o vôo e se inebriava e sumia
repentinamente me deixando a sós com a flor que eu tinha vontade de
morder, mastigar, engolir, cagar em mínimas pinceladas na cueca pra
depois limpar.</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<i>
</i>
<div style="text-align: justify;">
<i><b>14.<br />
</b>Naquele instante me ouvi cantando baixinho — as músicas me
habitavam quase sem interrupções. O mundo me assoberbaria novamente em
Porto Alegre, voltaria a ser espesso demais, e só a música me fazia
esquecer por enquanto do peso que eu teria de enfrentar. Para não correr
o risco de ficar repetindo meu endereço durante o trajeto de volta à
cidade, para não esquecê-lo, anotei-o num papelzinho do fundo do bolso,
pois, eu sabia, só com o meu endereço na ponta da língua me libertariam
do hospital. Mesmo que em princípio tivesse convicção da geografia da
cidade — independentemente de ter ou não o endereço na cabeça —, eu
temia, sim, não encontrar mais as minhas referências no mundo, se por
acaso queimasse a etapa do pronto-socorro. Se escapasse do período ainda
devido como paciente, eu no mínimo continuaria hesitando na memória das
coisas mais banais.</i></div>
<i>
</i>
<div style="text-align: justify;">
<i>A canção que eu no íntimo cantava dava o ritmo da marcha. Eu fui
feliz naquela caminhada de retorno a Porto Alegre. O sol estava mais
baixo e eu andava com a camisa aberta ao peito, criando um tema melódico
que começava sóbrio e aos poucos ia se exaltando a ponto de eu imaginar
tufões de sopros, percussão alvoroçada, tímpanos, exultação, meu
coração disparava até que tudo ia sossegando pouco a pouco e uma flauta
se despedia quase inaudível e os meus passos feneciam. E eu olhava tudo
em volta, e quando digo tudo era tudo mesmo, não havia um só ramo
separado, uma réstia avulsa de raio solar entre duas copas, ou uma flor
solta esmaecida pela pujança de luz, nada disso: cada coisa existia em
seu conjunto e eu só sabia captar a vastidão e a vastidão era a unidade
mínima de tudo. Eu era um rei. E como rei me sentia. Tão assim, que só
me restava parar, contemplar, fruir o que os meus olhos alcançavam. Lá
adiante, numa estradinha poeirenta um ônibus velho passava. Ia para
onde, até o centro da cidade? Mas eu não me dei o tempo necessário para
pensar em providências práticas e deixei que o ônibus me fugisse e fosse
ao seu destino sem saber da minha existência ensimesmada.</i></div>
<i>
</i>
<div style="text-align: justify;">
<i>Eu precisava reiniciar os passos. Por que Porto Alegre me chamava, se
eu não queria a dor de um hospital em corredores escuros e fétidos de
suor, sangue, pruridos, bandagens, rumores trêmulos? Por que Porto
Alegre me chamava?, indaguei batendo no peito até fazer barulho cavo,
como se me açoitasse, para não ter de formular a resposta que jamais
saberia dar. Por que Porto Alegre me chamava, hein?, ainda insisti e
repeti e repeti para não ter de elaborar a resposta que, sim, sim,
jamais saberia dar.</i></div>
<i>
</i>
<div style="text-align: justify;">
<i>Eu teria de chegar a Porto Alegre antes do entardecer. Então me
apressei, abri a braguilha, forcei a uretra e mijei mais do que
precisava. Mijei em cima de um formigueiro. Brinquei como na infância,
de Deus. Feito Deus, eu mandava uma hecatombe sobre os seres inferiores,
uma brutal intempérie que os castigaria num ato gratuito. Feito Deus
quis descartar qualquer misericórdia. Aquelas minúsculas vidas que
andavam em sua faina diária jaziam agora exterminadas em meio à espuma
da minha urina torpe. Isso me dava uma força que não costumava encontrar
tão facilmente. Eu conseguia eliminar os que interpunham um movimento
frenético entre mim e a paisagem. De movimento, apenas uma aragem tímida
que mexia imperceptivelmente em algumas folhas distraídas. No mais,
tudo coagulava, eu estava retido no instante. Naquela inércia me veio a
idéia de estar preparando o meu gesto terminal. Mais uma vez, ele
parecia a ponto de ocorrer… Mas mais uma vez, eu sabia, ele tardaria…</i></div>
<i>
</i>
<div style="text-align: justify;">
<i>Perguntei-me se o meu corpo já não tinha morrido no hospital. E se eu
não era um desses fantasmas que apenas se extasiam com o quase nada que
os constitui.</i></div>
<i>
</i>
<div style="text-align: justify;">
<i>Olhei meu organismo, abri os braços para me inspecionar melhor.
Tirando a barriga um tanto proeminente, ele parecia razoavelmente bem,
ainda era um instrumento carnal, embora não pudesse contar com ele em
nenhum desempenho qualificado. O sol baixara mais, mas ainda não se
avizinhava o crepúsculo. Eu tinha um tempo para chegar até a minha maca
no corredor do hospital. E se ela não estivesse mais vazia? E se me
dissessem que o cara que a ocupara tinha morrido? Para onde eu iria?
Encontraria a minha residência ou tudo o que me pertencera se esvaíra
comigo? E o que eu faria com isso que sobrara, esse cara aqui
averiguando o seu próprio corpo, misto de vestígio de sangue, muito
suor, e um vago apetite por continuar, mesmo que em sua malfadada
solidão? Iria até o Hospital de Pronto-Socorro de Porto Alegre verificar
se eu estava à beira de ganhar alta para retomar minha vida de antes ou
se não, se eu já tinha ido para o beleléu? Se as portas dos vivos se
mostrassem cerradas para uma figura inexistente como eu, o que me
restaria senão vagar pelas ruas feito um mendigo sem razão para esmolar?</i></div>
<i>
</i>
<div style="text-align: justify;">
<i>Olhei o solo bruto de meu itinerário errante de retorno a Porto
Alegre e vi uma aliança visivelmente vagabunda, sim, mas ainda meio
cintilante contra a relva. Apesar de já ser tarde avançada, a luz puxava
um brilho qualquer do pequeno objeto. Peguei-o e ele coube no indicador
direito. Estava tão desorientado pelos últimos acontecimentos ou pela
falta deles, que de imediato me senti ligado a uma força, mas que não
poderia se revelar sob pena de eu não sobreviver. Ou eu bem continuava
só, ou, se encontrasse enfim a companhia, eu não chegaria até o hospital
nem a lugar nenhum. Mais uma prova inútil na minha vida cheia delas.
Resolvi deixar a aliança justa no meu dedo, como uma promessa, sei lá,
que eu sabia não deveria cultivar.</i></div>
<i>
</i>
<div style="text-align: justify;">
<i>Andava de novo, andava agora um pouco apressado. Passei a mão nos
pontos da cabeça e era nisso que eu deveria pensar. Os pontos no talho.
Deveria, sim, chegar ao pronto-socorro da cidade, ocupar de novo a minha
maca se ela continuasse vaga e me abandonar aos possíveis cuidados dos
médicos e enfermeiros. Não sem antes disfarçadamente olhar a anotação do
meu domicílio escrito no papel e recitá-lo e, pronto! — com a memória
do número do meu prédio e apartamento poderia enfim sair do seio dos
feridos e me dirigir enfim à minha casa para recomeçar. Por enquanto eu
esbarrava nas pedras, resvalava nas folhas caídas com o muco teimoso da
terra, ouvia mugidos de bois distantes, canto de pássaros que começavam a
voltar a seu sono entre os galhos — eu próprio talvez fosse um deles e
não acordasse mais no hospital ou em qualquer outro lugar — escondido de
tudo para sempre, em paz…</i></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<i>
</i>
<div style="text-align: justify;">
<i><b>15.<br />
</b>Foi quando vi uma gata grávida se espreguiçando de pé, as mamas
túmidas. Ciciei o som típico que os homens encontraram para chamar os
gatos e fiz o movimento com os dedos para o mesmo fim. Ela veio aos meus
pés, não ficou à distância e à espreita como os felinos fazem diante de
desconhecidos, veio e passou seus bigodes pelos meus tornozelos e
ronronou e tudo e sentei na relva arruivada pela inclemência do sol e
coloquei-a entre as pernas e passei a mão por seu ventre intumescido;
encaixei-a sem muito pensar na virilha; ela levantou o rabo e o calor
dos nossos corpos era maior do que eu podia imaginar; a gata então
desfez sua posição e pulou sobre a minha perna e se foi autônoma a
esperar por sua cria.</i></div>
<i>
</i>
<div style="text-align: justify;">
<i>De repente, do nada, eu me senti assim como se estupefato. Sim, não
que houvesse alguma coisa ou alguém diante do que eu pudesse me sentir
em raro espanto. A ocorrência da felina já tinha passado. Peguei no meu
pau e ele se mostrava excitado. Sentia-me acalorado para além da
existência do verão. Eu parecia ir me inundando de um ponto interior que
vinha caudaloso a ponto de eu tremer e em gozo sexual ser jogado sobre
urzes e terra seca contendo misteriosamente um lodaçal ou de uma
vertente teimosa ou de uma chuva que a memória não podia ali abarcar.</i></div>
<i>
</i>
<div style="text-align: justify;">
<i>Bebi um pouco daquela água sem olhar seu estado de sanidade. Não
senti gosto algum. Sorvi mais uns dois goles. Ouvi o barulho de um avião
passar. Levantei-me com um certo custo, feito viesse de uma prostração
antiga, da qual eu precisasse enfim me libertar para encontrar um teto
seguro antes de a noite descer.</i></div>
<i>
</i>
<div style="text-align: justify;">
<i>Levantei-me, pois, e senti insegurança em dar meus primeiros passos
após ser jogado contra o solo à mercê de alguma força que eu não pude
dominar. De onde vinha aquele rompante que me impelira a um soluço
genital mesmo que para tal eu não parecesse preparado? Dei uns passos
como que incorpóreos: eu não pertenceria mais àquela terra esturricada,
meus pés enlouqueceriam, as solas saltariam, no solo mal iriam tocar.</i></div>
<i>
</i>
<div style="text-align: justify;">
<i>E sob meus pés rasgava-se de repente uma vala para onde pulei assim
que a percebi. Na certa uma trincheira de alguma guerra sobre a qual eu
não tomara conhecimento, quem sabe de traficantes, de alguma coisa
assim, eu estava numa zona periférica. Mas aquele local não tinha o ar
de ter sofrido uma conflagração, eu ouvia pássaros, sim, e no meio deles
planava um silêncio para sempre obsequioso com os pequenos trinados.
Súbito nada mais restou, nem os trinados, nada mesmo, só a mais
impositiva calmaria, e então fiquei um tempo sem me mexer para não
causar nenhum distúrbio à ordem da hora, assim, os braços caídos, os
olhos em meio ao dia que ia se dourando ao se aproximar do entardecer.</i></div>
<i>
</i>
<div style="text-align: justify;">
<i>Um simples “ai” que eu exalasse seria demasiado. Então, calei-me e o
silêncio emergia de mim sem qualquer esforço, era como se a voz não
tivesse sido ainda projetada para as grandes compreensões, sim, e eu de
fato nada precisava compreender — nem precisava antever o destino onde
iria adormecer mais tarde, se em casa ou no hospital. E digo mais: ali
não me interessava sequer a saudade que eu quiçá pudesse sentir do
garoto nas próximas horas; nem me interessava preparar mais uma rodada
de explicações sobre a palavra “saudade” para dar a meus alunos de
português para estrangeiros — a palavra “saudade” sobre a qual eu
explanava orgulhoso como exclusiva desse idioma. Eu não pensava em nada
ali naquela vala e me agachava e me encolhia — um caracol puro feixe de
nervos que agora se distendia lentamente e novamente se fechava e se
distendia e se fechava…</i></div>
<i>
</i>
<div style="text-align: justify;">
<i>Recebendo alta, levaria novamente o meu isolamento para o velho
endereço talvez naquele dia ainda, e certamente queria mesmo postergar
essa passagem, então eu deveria ficar aqui encolhido como bicho, me
distendendo e me fechando, no alheamento dessa vala onde sinto a
pulsação da terra, de onde lesmas saem de seus ínfimos buracos, a
sinalizarem que a seca aqui é ilusória — a umidade, sim, me inundará me
redimindo da humilhação por todo esse estado desgraçado, amém.</i></div>
<i>
</i>
<div style="text-align: justify;">
<i>Até que parei feito uma estaca. Senti um toque meio submerso,
certamente de uma ausência que ainda quem sabe eu não tinha condições de
desvelar. Mas não, eu agora identificava a fonte do contato, sim: era
um bicho irreconhecível, grisalho, pelas frestas do pêlo ralo via-se a
carne azulada, um bicho que se achegara e recuara e agora vinha
novamente, se desentranhando da terra. Inadmissível que um animal
desconhecido do meu vocabulário zoológico viesse tentar alguma
conveniência no meu corpo, um animal aparentemente sem maiores
desconfianças nem hostilidade. Não se constituía num bicho bonito nem
causava em mim algum franco sentimento de rejeição. E me perguntei se
não deveria levá-lo comigo aonde quer que fosse, para o pronto-socorro
ou minha casa ou pelo menos por mais algumas horas de caminhada a que eu
precisasse ainda me submeter.</i></div>
<i>
</i>
<div style="text-align: justify;">
<i>Ele veio de novo jogando-se macio na minha barriga e eu toquei-o meio
confrangido, com um calafrio, e ele em resposta ao meu toque grunhiu
sem sinal do que pudesse significar aquele som e eu empurrei-o contra o
solo crestado e me levantei e saí do meu esconderijo resvalando duas
vezes e quando me libertei do meu estado subterrâneo, agora inteiro na
planura de cima, percebi que o sol descia no horizonte e que precisava
saber o que fazer de mim, urgente.</i></div>
<i>
</i>
<div style="text-align: justify;">
<i>Eu temia não chegar a tempo de poder reconstituir a realidade da qual
era oriundo, a do pronto-socorro e tudo o mais. Temia, sim, que os
médicos e enfermeiros do hospital já tivessem dissolvido da memória a
minha presença, que os registros de minha internação se desmanchassem e
que, antes desse ponto aqui no fim da tarde, nessa estrada poeirenta sem
passantes, tudo o mais seja uma ilusão cunhada por força do meu próprio
desabrigo.</i></div>
<i>
</i>
<div style="text-align: justify;">
<i>Eu estava ali, numa meditação enfermiça — mal de que sempre padecera.
Estava ali, tocando os pontos na cabeça, mais uma vez procurando
reafirmar o talho que me tinha levado ao pronto-socorro de uma cidade em
cujas cercanias eu navegava agora em cogitações febris. Pensei se não
seria o caso de alguns robustos micróbios me invadirem por aquele corte
na cabeça me deixando tão entregue que nenhum antibiótico teria o poder
de me salvar. Dormir, morrer obrigando uns gatos-pingados a sentarem em
volta do meu corpo, velando-me por algumas poucas horas para eu ir
depressa com o prêmio de não ter mais de aferir a realidade ou
irrealidade das minhas circunstâncias. Pensei isso sem sentir a mínima
autocomiseração. Se pudesse assim escolher por vias transversas o meu
ponto fatal, seria grande a chance de tudo correr bem. Iria de cabeça
erguida, um pequeno herói seguro do andamento de seu próprio desfecho.</i></div>
<i>
</i>
<div style="text-align: justify;">
<i>Estava ali, observando aquilo tudo que chamavam de mundo, e me dizia,
era preciso me suicidar se tivesse uma bravura. Eu me perguntava se
deixaria alguém culpado diante da minha decisão, como se realmente
possuísse alguém objetivamente permeável ao meu desaparecimento. Então
corri, me desabalei tanto em direção nenhuma que parecia voar, no duro,
uma sensação de que eu não tinha pés nem peito nem cabeça raspando na
terra, que eu ia, simplesmente isso, ia no ar, que eu era um sujeito
incapaz de me enredar com a gravidade, que eu simplesmente ia em direção
nenhuma e que depois disso seria provável que eu não soubesse mais
sofrer.</i></div>
dani langerhttp://www.blogger.com/profile/00378449579306691066noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6311349724459827869.post-40224944043645477662014-10-08T22:34:00.002-03:002014-10-08T22:42:36.875-03:0011/10 - Último encontro do ano: Solidão Continental<div style="text-align: center;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<b><a href="http://www.coletiva.net/upload/noticia/noticia47037.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="http://www.coletiva.net/upload/noticia/noticia47037.jpg" height="400" width="260" /></a></b></div>
<br />
<div style="text-align: center;">
<br /></div>
<div style="text-align: center;">
<br /></div>
<div style="text-align: center;">
<b>Solidão continental - ou a coragem de narrar</b></div>
<div style="text-align: right;">
Daniela Langer*</div>
<br />
Caros amigos,<br />
<br />
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<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="color: black; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">“O corpo é uma
unidade mínima”, disse João Gilberto Noll em uma oficina para alunos de Escrita
Criativa na Faculdade de Letras da PUC. A frase curta é ponto de partida na
tentativa de entender a essência da literatura de Noll e o que ele procura
expressar através do fazer literário. Porque é corpo o que se vê, se toca e
respira. "O corpo, realmente, está em si mesmo". O corpo é fulcro de
dor e prazer, de sensações empíricas e imaginárias. A literatura também não é
isso? A literatura não é (ou deveria ser) a semente da dúvida, os caminhos que
se bifurcam, o prazer e a dor?</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="color: black; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">Desde o primeiro livro do autor, a questão do corpo
se faz presente. "O corpo é fundamental no que escrevo para contar o
desejo de contar a dor". </span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="color: black; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">Para Noll, seu primeiro romance, <b style="mso-bidi-font-weight: normal;">A fúria do corpo</b>, está distante de ser
um romance naturalista sobre a pobreza carioca. O livro fala da mendicância
simbólica - o romance é falta. É o escatológico e o pornográfico. O sexo dos
personagens é hipertextualizado, um hipersexualismo. "Literatura é
expressão acima de qualquer coisa". O papel do escritor é "dar a cara
a bater, levantar o tapete, revelar a sujeira. A literatura tenta revelar
aquilo que não falamos em sociedade".</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Pode-se dizer que Noll fez do
corpo, ou da experiência literária do corpo, da errância dos personagens
sem-nome, múltiplos e ao mesmo tempo os mesmos em meio à multidão, sua poética.
Portanto, nada mais natural que em seu romance mais recente, <b style="mso-bidi-font-weight: normal;">Solidão continental</b>, a temática
voltasse a emergir. <span style="color: black; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">"Escrevo
porque não sei, porque quero tocar em coisas que nem sabia existir. É PRAZER
TENEBROSO e MEDO - tocar em coisas que envergonham, que deveriam, socialmente,
serem caladas".</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">Para nosso encontro de sábado, proponho o risco. E que na leitura de <b style="mso-bidi-font-weight: normal;">Solidão continental</b> não deixemos de
lado o estranhamento, pois só com ele seremos capazes de resignificar o que
acabamos de ler.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">Proponho aceitar a literatura como o escoadouro de qualquer coisa que se
dá no ato da própria escrita. Como estado de vazio. Como a própria mancha do
texto que se transforma, uma vez lida, em página em branco. </span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="color: black; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;"> A escrita é o acaso e quem deverá
mediá-la é o escritor. Nessa mediação, Noll não se furta de revelar o
interdito. O escritor deve NOMEAR o INOMINÁVEL. Noll propõe que o leitor se
enriqueça com a demência, com o desvio da forma, com um raciocínio muitas vezes
mal ajambrado. É a VISÃO GAUCHE que torna a literatura humana.</span><br />
<br />
<br />
*Daniela Langer é escritora, autora do livro de contos <b>No inferno é sempre assim - e outras histórias longe do céu</b>. Este ano, co-organizou o livro <b>Por que ler os contemporâneos? autores que escrevem o século 21</b>. Cursa mestrado em Escrita Criativa na PUCRS.<br />
<span style="color: black; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;">** As frases entre aspas são do escritor João Gilberto Noll em oficina para alunos do curso de graduação e pós em Escrita Criativa da Faculdade de Letras da PUC no primeiro semestre de 2014 </span></div>
dani langerhttp://www.blogger.com/profile/00378449579306691066noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6311349724459827869.post-28680931979429723432014-10-08T21:41:00.000-03:002014-10-08T22:35:36.214-03:00Solidão Continental - encontro com o autor João Gilberto Noll, sábado 11/10No próximo sábado, dia 11 de outubro, encerraremos mais uma etapa dos Seminários Leituras do Século XXI. Agradecemos a participação e colaboração de todos os colegas e parceiros de jornada durante esses três anos.<br />
<br />
Este último encontro será uma grande celebração da literatura e do fazer literário. Debateremos o romance <b>Solidão Continental</b>, de João Gilberto Noll, com mediação da escritora Daniela Langer.<br />
Na mesa, contaremos com a presença do autor <b>João Gilberto Noll</b> e com os organizadores dos Seminários, os Profs. Drs. Léa Masina e Ricardo Barberena.<br />
<br />
Será uma manhã de debate, leituras e a oportunidade de conversar com um dos grandes autores da literatura brasileira contemporânea.<br />
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://www.posfacio.com.br/wp-content/uploads/2012/10/noll-e1358682298799.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="http://www.posfacio.com.br/wp-content/uploads/2012/10/noll-e1358682298799.jpg" height="340" width="400" /></a></div>
<br />dani langerhttp://www.blogger.com/profile/00378449579306691066noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6311349724459827869.post-83711242465335247512014-08-28T12:43:00.002-03:002014-08-28T12:45:20.989-03:0013 de setembro - K, relato de uma buscaLeituras do século XXI receberá dia 13 de setembro o professor e jornalista Vitor Necchi que apresentará sua leitura do romance K - Relato de uma busca, de Bernardo Kucinski.<br />
<br />
Como preparação para o encontro segue resenha publicada no <a href="http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/_ed789_paginas_de_dor_e_denuncia" target="_blank">Observatório da Imprensa</a><br />
<br />
<br />
<h2 style="background-color: white; line-height: 36px; margin: 0px 0px 5px; padding: 0px;">
<span style="font-family: inherit; font-size: small;">Páginas de dor e denúncia</span></h2>
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<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://www.livrariakarlmarx.com.br/media/produtos/K_8548.png" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="http://www.livrariakarlmarx.com.br/media/produtos/K_8548.png" height="400" width="233" /></a></div>
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<br /></div>
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<br /></div>
<br />
<div style="background-color: white; color: #313030; line-height: 16pt; margin-bottom: 20px; padding: 0px;">
<span style="font-family: inherit;">O subtítulo – enxuto como o conteúdo – resume-se a “Relato de uma Busca”. Na verdade, trata-se de um feixe de buscas interligadas, históricas e íntimas, políticas e existenciais, recentes e ancestrais, todas pingando sangue ou empapadas de lágrimas.</span></div>
<div style="background-color: white; color: #313030; line-height: 16pt; margin-bottom: 20px; padding: 0px;">
<span style="font-family: inherit;">Escrito na terceira pessoa, não disfarça a ruminação da primeira pessoa – o narrador, atento e ferido diante da inglória peregrinação empreendida pelo pai à procura da filha torturada e desaparecida nos desvãos da ditadura militar. <em style="margin: 0px; padding: 0px;">K</em> é uma vivência literária única. Singular e plural, a misteriosa inicial, remete ao protagonista, ao autor e ao objeto do relato, porém descobrimos que todos somos <em style="margin: 0px; padding: 0px;">K</em>. Conhecemos o desfecho e, mesmo assim, prosseguimos com a respiração presa até as derradeiras palavras. Teoricamente um romance, <em style="margin: 0px; padding: 0px;">K</em> nos enxota para a historiografia. Qualquer que seja a condição e o ânimo do leitor.</span></div>
<div style="background-color: white; color: #313030; line-height: 16pt; margin-bottom: 20px; padding: 0px;">
<span style="font-family: inherit;">Tragédia e catarse, a brutalidade em estado puro e o absurdo de reinventá-la para torná-la real. Reportagem, denúncia, grito de vingança, pranto engolido, imersão no processo da criação literária. São 182 páginas de dor, um dos livros mais penosos e absorventes que li, ficção-verdade, imperiosamente compartida e partilhável. Letal, ninguém escapa ileso deste registro despojado, comedido, por isso arrasador.</span></div>
<div style="background-color: white; color: #313030; line-height: 16pt; margin-bottom: 20px; padding: 0px;">
<strong style="margin: 0px; padding: 0px;"><span style="font-family: inherit;">Quieta, mas pulsante</span></strong></div>
<div style="background-color: white; color: #313030; line-height: 16pt; margin-bottom: 20px; padding: 0px;">
<span style="font-family: inherit;">Quando o delegado do DOPS capixaba, Cláudio Guerra, matador profissional assumido, descreveu numa entrevista como deu sumiço nos corpos da professora de química da USP, Ana Rosa Kucinski, do marido, Wilson Silva, e de uma dezena de militantes no forno de uma usina de açúcar em Campos, norte fluminense, ainda não lera a primeira edição de<em style="margin: 0px; padding: 0px;">K</em>. Se lesse antes, talvez não conseguisse entrevistar o velhote arfante, agora pastor protestante.</span></div>
<div style="background-color: white; color: #313030; line-height: 16pt; margin-bottom: 20px; padding: 0px;">
<span style="font-family: inherit;">Ao ouvi-lo desfiar com a voz monótona as matanças das quais participou e os detalhes sobre o sumiço dos corpos impôs-se novamente a terrível e hoje corriqueira “banalidade do mal” identificada por Hannah Arendt. A guerra suja da qual participara com tanto empenho não havia terminado, Cláudio Guerra precisava falar, aparecer para que os antigos camaradas não o convertessem em novo desaparecido.</span></div>
<div style="background-color: white; color: #313030; line-height: 16pt; margin-bottom: 20px; padding: 0px;">
<span style="font-family: inherit;">“Tudo neste livro é invenção, mas quase tudo aconteceu.” Esta engenhosa duplicidade confessada na advertência inicial confere ao livro palpitação e pungência. O angustiante percurso do judeu errante, Meir Kucinski, para descobrir traços da filha e do genro é autêntico, o repórter Bernardo Kucinski dispensou-se de fabular, ouviu-o do pai, talvez em ídisch (o autor recusa a grafia iídiche adotada pelos dicionaristas) e o reproduziu em vernáculo. <em style="margin: 0px; padding: 0px;">K</em> é também um memorial de um idioma liquidado pela Solução Final.</span></div>
<div style="background-color: white; color: #313030; line-height: 16pt; margin-bottom: 20px; padding: 0px;">
<span style="font-family: inherit;">Outros episódios, evidentemente construídos com base em investigação jornalística, são ficcionais, porém tão magistralmente encaixados no relato que alcançam um paroxismo emocional difícil de encontrar na moderna literatura brasileira. Caso de “A Terapia”, em que Kucinski descreve o desabafo da faxineira da “Casa da Morte” em Petrópolis para uma psicoterapeuta do INSS. Naquela tranquila mansão serrana, os presos eram interrogados, torturados, mortos e depois “desaparecidos”. Ana Rosa e o marido, certamente passaram por lá. Cláudio Guerra confirmou que os corpos incinerados em Campos eram originários do Rio de Janeiro.</span></div>
<div style="background-color: white; color: #313030; line-height: 16pt; margin-bottom: 20px; padding: 0px;">
<span style="font-family: inherit;">Os Kucinski, pai e filho, não poupam ninguém: políticos, rabinos, líderes comunitários judeus, sumidades acadêmicas da USP, não escapam sequer os cabeças da resistência armada que insistiram na insurgência suicida mesmo quando a repressão fechara todas as saídas. Só escapa o arcebispo de São Paulo, D. Paulo Evaristo Arns, que carinhosamente recebeu o pai de Ana Rosa.</span></div>
<div style="background-color: white; color: #313030; line-height: 16pt; margin-bottom: 20px; padding: 0px;">
<span style="font-family: inherit;">Implícita, quieta, porém pulsante, <em style="margin: 0px; padding: 0px;">K</em> é uma indagação sobre a condição judaica. A única para a qual o autor oferece uma resposta. Não muito diferente da encontrada por Benedito Spinoza: ser judeu é buscar.</span></div>
<div style="background-color: white; color: #313030; line-height: 16pt; margin-bottom: 20px; padding: 0px;">
<span style="font-family: inherit;">***</span></div>
<div id="rdpe" style="background-color: white; margin: 0px; padding: 0px;">
<span style="font-family: inherit;">Alberto Dines é jornalista</span></div>
dani langerhttp://www.blogger.com/profile/00378449579306691066noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6311349724459827869.post-21666484142352785382014-08-04T14:54:00.001-03:002014-08-04T14:58:35.973-03:00Amílcar Bettega fala sobre o romance Barreira - Parte 2 de 2<div>
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://www.posfacio.com.br/wp-content/uploads/2013/09/Barreira.Amilcar.Bettega.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="http://www.posfacio.com.br/wp-content/uploads/2013/09/Barreira.Amilcar.Bettega.jpg" height="400" width="267" /></a></div>
<div>
<br /></div>
<div>
<br /></div>
O escritor Amilcar Bettega responde:<br />
<div>
<br /></div>
<div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 21.6pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; mso-hyphenate: none; mso-list: l0 level1 lfo1; page-break-after: avoid; tab-stops: list 0cm; text-indent: -21.6pt;">
<i><u><span style="font-family: Garamond, serif; font-size: 12pt; line-height: 150%;">Você pode adiantar
alguma coisa a respeito do novo romance a ser publicado? (Barreira)</span></u></i><span style="font-family: Garamond, serif; font-size: 12pt; line-height: 150%;"><o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 21.6pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; mso-hyphenate: none; mso-list: l0 level1 lfo1; page-break-after: avoid; tab-stops: list 0cm; text-indent: -21.6pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 21.6pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; mso-hyphenate: none; mso-list: l0 level1 lfo1; page-break-after: avoid; tab-stops: list 0cm; text-indent: -21.6pt;">
<span style="font-family: Garamond, serif; font-size: 12pt; line-height: 150%;"><i>O que eu posso adiantar é que:<o:p></o:p></i></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 21.6pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; mso-hyphenate: none; mso-list: l0 level1 lfo1; page-break-after: avoid; tab-stops: list 0cm; text-indent: -21.6pt;">
<span style="font-family: Garamond, serif; font-size: 12pt; line-height: 150%;"><i>1) não é um livro muito fácil. É um
livro que pede certa parceria do leitor, no sentido de que nem sempre a leitura
vai ser fluida, prazerosa, que às vezes ele, o leitor, pode até ser tentado a
largar o livro. Não sei se tenho o direito de pedir este crédito de antemão ao
leitor, mas o livro precisa dessa paciência, dessa persistência. Como todo o
livro, eu creio. É sempre a partir de uma relação de confiança entre o leitor e
o livro que a experiência da leitura começa. Esta relação é frágil e pode ser
quebrada a qualquer momento, exige esforços de parte a parte. Espero que no meu
livro este esforço seja recompensado.<o:p></o:p></i></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 21.6pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; mso-hyphenate: none; mso-list: l0 level1 lfo1; page-break-after: avoid; tab-stops: list 0cm; text-indent: -21.6pt;">
<span style="font-family: Garamond, serif; font-size: 12pt; line-height: 150%;"><i><br /></i></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 21.6pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; mso-hyphenate: none; mso-list: l0 level1 lfo1; page-break-after: avoid; tab-stops: list 0cm; text-indent: -21.6pt;">
<span style="font-family: Garamond, serif; font-size: 12pt; line-height: 150%;"><i>2) É um livro que tenta uma maneira
diferente de chegar no leitor, pode ser que nem sempre consiga, mas tenta. <o:p></o:p></i></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 21.6pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; mso-hyphenate: none; mso-list: l0 level1 lfo1; page-break-after: avoid; tab-stops: list 0cm; text-indent: -21.6pt;">
<span style="font-family: Garamond, serif; font-size: 12pt; line-height: 150%;"><i><br /></i></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 21.6pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; mso-hyphenate: none; mso-list: l0 level1 lfo1; page-break-after: avoid; tab-stops: list 0cm; text-indent: -21.6pt;">
<span style="font-family: Garamond, serif; font-size: 12pt; line-height: 150%;"><i>3) É um livro imperfeito, bastante
imperfeito, com alguns excessos de um lado e lacunas de outro.<o:p></o:p></i></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 21.6pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; mso-hyphenate: none; mso-list: l0 level1 lfo1; page-break-after: avoid; tab-stops: list 0cm; text-indent: -21.6pt;">
<span style="font-family: Garamond, serif; font-size: 12pt; line-height: 150%;"><i><br /></i></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 21.6pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; mso-hyphenate: none; mso-list: l0 level1 lfo1; page-break-after: avoid; tab-stops: list 0cm; text-indent: -21.6pt;">
<span style="font-family: Garamond, serif; font-size: 12pt; line-height: 150%;"><i>4) O que quero dizer é que não se
trata de um livro fechadinho, redondinho, perfeitinho (aliás, tenho cada vez
menos paciência para livros fechadinhos, redondinhos e perfeitinhos)<o:p></o:p></i></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 21.6pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; mso-hyphenate: none; mso-list: l0 level1 lfo1; page-break-after: avoid; tab-stops: list 0cm; text-indent: -21.6pt;">
<span style="font-family: Garamond, serif; font-size: 12pt; line-height: 150%;"><i><br /></i></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 21.6pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; mso-hyphenate: none; mso-list: l0 level1 lfo1; tab-stops: list 0cm; text-indent: -21.6pt;">
<span style="font-family: Garamond, serif; font-size: 12pt; line-height: 150%;"><i>5)
É um livro que conserva certo tom difuso, com coisas não muito bem
explicadas, ou pelo menos com várias hipóteses possíveis. A coisa gira em torno
de um ou mais mistérios – em alguns momentos tem até certo tom policial – mas
nada se revela como certo. Há vozes e discursos contraditórios, coisas que são
afirmadas e negadas com a mesma ênfase.<o:p></o:p></i></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 21.6pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; mso-hyphenate: none; mso-list: l0 level1 lfo1; tab-stops: list 0cm; text-indent: -21.6pt;">
<span style="font-family: Garamond, serif; font-size: 12pt; line-height: 150%;"><i><br /></i></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 21.6pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; mso-hyphenate: none; mso-list: l0 level1 lfo1; tab-stops: list 0cm; text-indent: -21.6pt;">
<span style="font-family: Garamond, serif; font-size: 12pt; line-height: 150%;"><i>6) É um livro que insiste na ideia de
que há zonas obscuras (na vida, no real, na narrativa, no texto) e que estas
zonas devem ser respeitadas.<o:p></o:p></i></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 21.6pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; mso-hyphenate: none; mso-list: l0 level1 lfo1; tab-stops: list 0cm; text-indent: -21.6pt;">
<span style="font-family: Garamond, serif; font-size: 12pt; line-height: 150%;"><i><br /></i></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 21.6pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; mso-hyphenate: none; mso-list: l0 level1 lfo1; tab-stops: list 0cm; text-indent: -21.6pt;">
<span style="font-family: Garamond, serif; font-size: 12pt; line-height: 150%;"><i>7) É um livro para ser lido sem a
preocupação de entender tudo ao nível da trama, é para se deixar levar.<o:p></o:p></i></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 21.6pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; mso-hyphenate: none; mso-list: l0 level1 lfo1; tab-stops: list 0cm; text-indent: -21.6pt;">
<span style="font-family: Garamond, serif; font-size: 12pt; line-height: 150%;"><i><br /></i></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 21.6pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; mso-hyphenate: none; mso-list: l0 level1 lfo1; tab-stops: list 0cm; text-indent: -21.6pt;">
<span style="font-family: Garamond, serif; font-size: 12pt; line-height: 150%;"><i>8) E já que falo de trama, o que para
mim nunca interessa muito, mas tem gente que não consegue passar sem isso, vai
lá uma sinopse: o romance está ancorado em três personagens que interagem em
alguns momentos da narrativa. Um turco de uns 60 anos (vivendo no Brasil), que
deixou Istambul aos 6 e retorna pela primeira vez à sua cidade para encontrar
sua filha (Fátima), fotógrafa, que uns meses antes viajara para ver a cidade
que só conhecia através dos relatos do pai. Chegando a Istambul este pai se dá
conta que a filha está desaparecida. Antes do desaparecimento, Fátima tem um
breve envolvimento com um francês (Robert), autor de guia de viagens, que está
a Istambul meio perdidão, em plena crise existencial, profissional, emocional,
etc. Robert, por sua vez, ao receber a notícia da morte do filho (Lucas),
retorna a Paris, toma conhecimento das atividades (que ele ignorava) do filho
como artista, e isto o leva de volta a Istambul para encontrar Marc, um artista
francês meio louco (ou que se faz de louco), amigo do seu filho, e que leva
Robert à obra de um artista turco (Ahmet) que ninguém sabe exatamente se existe
ou se é uma invenção de um coletivo de artistas ou se é uma segunda identidade
(secreta) de Marc. Na obra (macabra) de Ahmet, alguns jovens podem ter deixado
a vida.<o:p></o:p></i></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 21.6pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; mso-hyphenate: none; mso-list: l0 level1 lfo1; tab-stops: list 0cm; text-indent: -21.6pt;">
<span style="font-family: Garamond, serif; font-size: 12pt; line-height: 150%;"><i><br /></i></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; margin-left: 21.6pt; margin-right: 0cm; margin-top: 0cm; mso-hyphenate: none; mso-list: l0 level1 lfo1; tab-stops: list 0cm; text-indent: -21.6pt;">
<span style="font-family: Garamond, serif; font-size: 12pt; line-height: 150%;"><i>9) Num sentido mais amplo, o livro
fala sobre coisas perdidas, ou melhor, sobre coisas inacessíveis, sobre
barreiras intransponíveis: barreira da língua, barreira entre gerações,
barreira entre pais e filhos, barreira entre o real e a representação do real,
entre o real e o imaginado, barreira entre o vivido e a memória do vivido,
barreira entre o que se deseja resgatar e o que já desapareceu, barreira na comunicação, entre aquilo que se
quer dizer e o que se consegue que seja dito – e por que não dizer entre o
livro que se quer escrever e aquele que se consegue escrever?</i><o:p></o:p></span></div>
</div>
dani langerhttp://www.blogger.com/profile/00378449579306691066noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6311349724459827869.post-39873120286285902392014-08-04T14:51:00.001-03:002014-08-04T14:58:46.589-03:00Amílcar Bettega fala sobre o romance Barreira - Parte 1 de 2Em e-mails trocados entre Léa Masina e Amílcar Bettega, o escritor falou sobre o romance Barreira e apresentou interessantes chaves de leitura. Generosamente, as correspondências foram cedidas para o blog. Para muitos, ouvir/ler um autor falar de sua obra aguça a curiosidade, auxilia no percurso da leitura. No caso de Barreira, acredito que as palavras de Bettega incitam à reflexão e expansão das infinitas possibilidades da obra.<br />
<br />
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://rascunho.gazetadopovo.com.br/wp-content/uploads/2013/08/Amilcar_Bettega_5_161.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="http://rascunho.gazetadopovo.com.br/wp-content/uploads/2013/08/Amilcar_Bettega_5_161.jpg" /></a></div>
<br />
<br />
<div class="MsoNormal">
<i>Querida Léa,<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<i><br /></i></div>
<div class="MsoNormal">
<i>Mais uma vez obrigado pela leitura, pelo esforço crítico,
que só enriquece o meu texto.<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<i>Como sempre em literatura, pelo menos naquela que nos
interessa, há muitas maneiras de chegarmos no livro. Tu levantas algumas, todas
válidas. Calvino é um dos meus santos. É verdade que a gente pode sentir ecos
de “Cidades invisíveis” nas descrições que faço da cidade. Do “Se um
viajante...”, que adoro, penso mais na coisa da repetição, do retorno a um
ponto de partida. Mas são coisas que me vêm agora, a partir da tua observação.
A verdade é que a gente escreve sempre com os “santos”, essa gente toda que faz
parte da nossa formação continuada. Eles
estão sempre presentes em tudo o que a gente escreve. Já “Amores difíceis”, eu
não li.<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<i><br /></i></div>
<div class="MsoNormal">
<i>Por outro lado, uma intertextualidade intencional que, eu
sei e sabia desde o início, para aflorar dependeria da revelação do autor (como
faço agora para ti) ou da leitura de um cinéfilo atento: trata-se de Bariera,
um filme de 67 do polonês Jerzy Skolimowsky. É o título do filme que o
personagem Robert Bernard assiste no final do livro e que lhe permite uma
espécie de insight. A descrição que lá está corresponde exatamente às cenas do
filme. Foi um filme que me marcou muito porque, quando assisti, praticamente
não li as legendas, elas me pareceram totalmente acessórias, até prejudiciais.
É um filme tão plástico, imagético, tão bonito nisso, que as palavras ali,
pareceu-me, estragavam. Mais tarde, li uma entrevista do Skolimowski onde ele
de certa forma confirmava a impressão que eu tive, ele dizia que queria fazer
um filme que não sendo mudo, prescindisse das palavras. Quando vi o filme eu já
estava me encaminhando mais para o fim da escrita do livro, mas achei que ele
tinha tudo a ver com o que eu estava tentando fazer. Ou seja, não era a trama
que me interessava (aliás nunca foi, nunca é isso o que mais me interessa num
livro), eu queria fazer algo que funcionasse por uma acumulação de cenas ou
quadros fortes esteticamente, ou momentos narrativos altos, ou imagens, sei lá,
mas pontos fortes que reunidos num todo pudesse provocar no leitor uma
experiência estética interessante e de algum impacto. “Esquece a trama”,
“esquece a historinha”, acho que é isso que o romance diz o tempo todo no
ouvido do leitor, “relaxa e vamos junto”. Foi isso que eu senti vendo o filme
(se tiveres a oportunidade de ver, eu recomendo, é belíssimo – até a pouco
estava disponível no YouTube, mas na última vez que fui checar vi que tinham
tirado). Além disso, acho que problematizo essa questão da palavra no livro,
então achei pertinente trazer esse filme pra dentro.<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<i><br /></i></div>
<div class="MsoNormal">
<i>Voilà, te dou de bandeja uma das chaves, a do autor, que é,
como a gente sabe, apenas mais uma.<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<i><br /></i></div>
<div class="MsoNormal">
<i>Com relação ao “trauma” (do incêndio do Grande Bazar) que tu
mencionas, ele está ali também, mas ligado à “trama”, está ali mais para
satisfazer as necessidades de coerência lógica dos seguidores de historinha. Se
um desses senhores, que em geral são furiosos, me botar a faca no peito e me
acusar de fazer coisas sem pé nem cabeça eu posso dizer que no incêndio morreu
a mãe e a irmã de Ibrahim, fato que praticamente deixa o pai dele afundado na
depressão e que, sem saber o que fazer e sem se sentir em condições de cuidar
do filho, aceita a sugestão do irmão (tio de Ibrahim) para se mudarem para o
Brasil, onde este já vivia – fato que por sua vez dá origem a este personagem
em permanente crise existencial que é o nosso heroico Ibrahim.<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<i><br /></i></div>
<div class="MsoNormal">
<i>Já não sei se tudo isto pode ser verificado no texto, mas
creio que sim. Se tirei alguma coisa, deixei as pedrinhas necessárias ao
pessoal que tem medo de escorregar ou não gosta de pisar no lodo. <o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<i><br /></i></div>
<div class="MsoNormal">
<i>Um pouco antes de o livro sair, a organização do Prêmio
Portugal Telecom organizou um livro de entrevistas com os ganhadores ao longo
dos 10 anos de prêmio no ano passado.
Trata-se de “O livro das palavras”, pois lá eles me faziam uma pergunta
sobre o Barreira que, como eu disse, ainda não tinha saído.<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<i><br /></i></div>
<div class="MsoNormal">
<i>Transcrevo abaixo a resposta. De repente tu tiras algo daí
para o teu blog.<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<i><br /></i></div>
<div class="MsoNormal">
<i>E fico aqui na espera que tu escrevas a tua leitura crítica
do Barreira, e que a publique por aí.<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<i>Grande abraço do<o:p></o:p></i></div>
<div class="MsoNormal">
<i><br /></i></div>
<br />
<div class="MsoNormal">
<i>Amilcar<o:p></o:p></i></div>
<br />dani langerhttp://www.blogger.com/profile/00378449579306691066noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6311349724459827869.post-36708439886888329782014-08-04T14:40:00.002-03:002014-08-04T14:59:09.083-03:00Um pouco sobre Barreira, romance de Amílcar Bettega(Matéria publicada na Revista Cult)<br />
<br />
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://revistacult.uol.com.br/home/wp-content/uploads/2013/08/2151.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="http://revistacult.uol.com.br/home/wp-content/uploads/2013/08/2151.jpg" height="247" width="400" /></a></div>
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<br />
<div style="font-family: Georgia, Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: 15px; line-height: 17px; padding: 10px;">
<em style="margin: 0px; padding: 0px;">por Mariana Marinho</em></div>
<div style="font-family: Georgia, Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: 15px; line-height: 17px; padding: 10px;">
Há cerca de 20 anos, quem procurasse por Amilcar Bettega debruçado sobre papel e caneta, exercendo o ofício de escritor, não o encontraria. Isso porque o gaúcho formou-se em Engenharia Civil e, durante cinco anos, trabalhou em canteiro de obra. “Logo de cara sabia que Engenharia não era a minha praia, mas ainda não sabia o que queria fazer. Comecei a escrever tarde, aos 27 anos. Nessa mesma época, decidi fazer o mestrado em Literatura Brasileira. Era uma forma de sistematizar meu conhecimento em literatura, que era lacunar e feito por meio de leituras aleatórias”, conta.</div>
<div style="font-family: Georgia, Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: 15px; line-height: 17px; padding: 10px;">
Apesar do início tardio, Amilcar, hoje, é conhecido como um dos mais talentosos contistas brasileiros: pelo volume de contos <em style="margin: 0px; padding: 0px;">O vôo da trapezista</em> (Movimento/IEL, 1994) recebeu o prêmio Açorianos de literatura e com <em style="margin: 0px; padding: 0px;">Os lados do círculo </em>(Companhia das Letras) conquistou o prêmio Portugal Telecom.</div>
<div style="font-family: Georgia, Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: 15px; line-height: 17px; padding: 10px;">
Porém, não foram os contos que o trouxeram ao Espaço Revista CULT: Amilcar lançava seu romance de estreia <em style="margin: 0px; padding: 0px;">Barreira</em>, o décimo da coleção Amores Expressos da Companhia das Letras. O projeto levou 16 escritores brasileiros a diferentes cidades do mundo para escreverem uma história de amor em cada local.</div>
<div style="font-family: Georgia, Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: 15px; line-height: 17px; padding: 10px;">
<em style="margin: 0px; padding: 0px;">Barreira</em> é ambientado em Istambul, onde Amilcar esteve por um mês em 2007. A obra conta a história de Fátima, uma jovem fotógrafa brasileira que decide viver na capital turca, e seu pai, um imigrante turco estabelecido no sul do Brasil que volta à cidade natal em busca da filha. Fátima se envolve com um artista performático de intenções duvidosas e com um francês autor de guia de viagens.</div>
<div style="font-family: Georgia, Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: 15px; line-height: 17px; padding: 10px;">
Amilcar chegou e partiu de Istambul da mesma forma: sem uma história definida. “Isso não me preocupava. Queria sentir a atmosfera da cidade, o que ela podia me passar. Escutá-la e tentar transpô-la para o livro independente da historia que fosse. Fiz um diário -passava o dia andando e anotava tudo: o que via, onde ia. Muita coisa que está na boca e nos atos das personagens são observações e pensamentos meus”, diz. Na segunda parte, por exemplo, Fátima comenta que a primeira impressão que teve de Istambul foi a de que chegava a uma cidade ocre.</div>
<div style="font-family: Georgia, Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: 15px; line-height: 17px; padding: 10px;">
O romance demorou seis anos para ficar pronto. “Nunca escrevi um texto que ultrapassasse vinte páginas. Precisei alterar minha prática de escrita. O romancista precisa trabalhar com uma visão mais periférica da estrutura ”, explica. Dividido em três partes, <em style="margin: 0px; padding: 0px;">Barreira</em> é composto por estruturas narrativas distintas. A primeira parte, por exemplo, é escrita num fluxo contínuo a partir da visão de Ibrahim, pai de Fátima. “Não sei em qual momento me decidi por esta estrutura. Não faço muitos planos. A primeira frase saiu longa e fui alongando. Achei que casou bem com o estado de espírito da personagem, que vaga por uma cidade que, ao mesmo tempo, é e não é mais sua”, diz.</div>
<div style="font-family: Georgia, Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: 15px; line-height: 17px; padding: 10px;">
“A maneira que a história é estruturada é tão ou mais importante em si do que a história que está sendo contada. Eu quero que o leitor se pergunte por que está estruturado desta maneira. Quero se seja instigante para ele. Antes de ser uma expressão de ideias, a expressão literária é, sobretudo, uma expressão estética. A história sequencial, que tem um enredo no qual tudo se esclarece ao final, não me interessa nem um pouco como leitor e nem como escritor”, completa.</div>
dani langerhttp://www.blogger.com/profile/00378449579306691066noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6311349724459827869.post-62087864219317820372014-08-04T14:34:00.000-03:002014-08-04T14:59:25.145-03:00Barreira, de Amílcar Bettega - dia 9 de agostoDia 9 de agosto, próximo sábado, teremos o encontro sobre o romance Barreira, de Amílcar Bettega. O seminário será apresentado pela Prof. Dra. Léa Masina.<br />
Como preparação para o encontro, segue trecho do romance (publicado no jornal Rascunho)<br />
<br />
<div class="wp-caption aligncenter" id="attachment_16651" style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; color: #111111; font-family: Georgia, Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: 12px; line-height: 12px; margin: 15px auto 0px; outline: 0px; padding: 0px; position: relative; vertical-align: baseline; width: 464px;">
<a href="http://rascunho.gazetadopovo.com.br/wp-content/uploads/2013/06/Amilcar_Bettega_TS_159.jpg" style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; color: #97262d; margin: 0px; padding: 0px; text-decoration: none; vertical-align: baseline;"><img alt="Ilustração: Theo Szczepanski" class=" wp-image-16651 " src="http://rascunho.gazetadopovo.com.br/wp-content/uploads/2013/06/Amilcar_Bettega_TS_159.jpg" height="327" style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;" width="454" /></a><br />
<div class="wp-caption-text" style="background: rgb(204, 199, 190); border: 0px; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; line-height: 18px; margin-top: 20px; outline: 0px; padding-bottom: 3px !important; padding-left: 3px !important; padding-right: 15px; padding-top: 3px !important; position: absolute; vertical-align: baseline;">
Ilustração: Theo Szczepanski</div>
</div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; color: #111111; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 12px; line-height: 18px; margin-top: 20px; outline: 0px; padding: 0px 15px 0px 0px; vertical-align: baseline;">
<br /></div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; color: #111111; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 12px; line-height: 18px; margin-top: 20px; outline: 0px; padding: 0px 15px 0px 0px; vertical-align: baseline;">
Veja, e seu braço fez um movimento lento, longo, foi distendendo-se pouco a pouco como se do ombro partisse uma onda que despertava as articulações do cotovelo, passava pelo antebraço, o punho, a mão, o dedo, e orientava ossos e músculos na direção de uma linha fluida e mais ou menos horizontal apontando para um janelão que logo após o movimento brusco da webcam passou a ocupar a tela inteira do meu computador, um retângulo escuro recortado contra a parede branca e compondo uma imagem granulosa, completamente irreal com suas cores saturadas e contornos distorcidos onde eu deveria ver, em tempo real, a cidade que ela descobria, a cidade escondida durante tanto tempo em histórias que um dia existiram somente para dar corpo e sentido a um passado que eu acreditava digno desse nome, estanque, ainda capaz de formar uma referência, de se colar a uma identidade e mendigar-lhe um traçozinho de caráter ou da fisionomia, mas nada mais do que isso, nada mais do que uma memória postiça, esta sopa de lembranças voláteis, algumas fotografias em preto e branco e nomes de sonoridade e grafia bizarras, tudo requentado pelos relatos ora mais ora menos inventivos de alguém mais velho e repetidos à exaustão nas reuniões de família até virarem uma lenda, como são, aliás, todos os passados, veja, ela repetiu, logo depois dessas luzes fica o Haliç, e ela dizia alitch se esforçando para fazer passar por natural a pronúncia carregada e bem típica de um aluno em suas primeiras aulas de turco, e depois ainda, ela continuou, na outra margem, ficam Balat e Fener, hoje à tarde fui até lá, caminhei muito, caminhei com o único objetivo de me sentir ali, de me sentir pisando aquelas ruelas, de sentir que meu corpo habitava um espaço que até então era apenas um nome, um sonho ou uma imaginação, veja, ela insistiu, veja como tudo é quase palpável daqui, de repente um monte de imagens que me eram familiares se materializam na minha frente sem que eu as reconheça como aquelas imagens tão familiares, acho que foi por isso que fiz muitas fotos, não que quisesse, como dizem, apreender o momento para eternizá-lo, se uma foto serve para alguma coisa o certo é que não é para isso, o que eu sentia ali era a necessidade de ao menos tentar olhar de fora para aquilo que eu estava vendo de dentro, talvez eu quisesse me proteger, é bem possível, mas eu sei que todas as vezes que eu olhar de novo para cada uma dessas fotos o que eu vou ver sou eu mesma, como se eu estivesse não atrás mas diante da câmera, veja, veja, ainda a ouvi dizer outra e muitas vezes, mas eu não via nada, apenas o retângulo escuro de uma janela dando para o nada, através da qual eu não via nada, onde eu não conseguia, apesar de todos os esforços possíveis, reconhecer o que quer que fosse simplesmente porque não há como reconhecer algo que já não existe ou, melhor ainda, não há como ver de novo o que foi visto por alguém que não existe mais, não, eu não posso ver nada, eu queria lhe dizer, não adianta, não vejo nada, eu queria de uma vez por todas fazê-la entender isso, mas me calava diante do entusiasmo expresso na voz que me chegava um tanto metálica e desfigurada pela má qualidade dos alto-falantes, me calava diante do movimento desse braço, evasivo e suspenso no instantâneo de uma imagem truncada pela conexão instável, um movimento que parecia continuar ainda, mesmo agora e sempre, como se o braço não cessasse nunca de se distender, lenta e longamente, ombro, cotovelo, antebraço, punho, mão, dedo, e ainda depois do dedo, no prolongamento do gesto que insistia em avançar para além do retângulo escuro, para dentro de alguma coisa que deveria mover-se também, naquele exato instante, no outro lado da janela, não, eu não via nada, mas o simples pensamento de que poderia haver alguma coisa depois daquela janela, que no interior da escuridão estampada na tela do meu computador uma cidade pudesse se esconder, este simples pensamento me trouxe uma vertigem e a necessidade de correr até a janela da pequena peça que me servia de escritório e ver, com imenso alívio, que o sol morria docemente atrás das palmeiras da Oswaldo Aranha, que os ônibus cruzavam a avenida com o mesmo estrépito que sempre fizera as vidraças tremerem em seus caixilhos, que uma massa verde e cheia de reflexos se estendia sob meus olhos lá embaixo e que era esta a vista que eu preferia da minha cidade, o parque da Redenção margeado pela Oswaldo Aranha de um lado e a João Pessoa de outro, o sol de inverno descendo obliquamente por entre as folhas das árvores e a certeza de que atrás da cadeia de prédios à minha direita o Guaíba corria silencioso e quase despercebido rente aos muros da Mauá, contornava a ponta do Gasômetro e ia compor, na altura do Beira-Rio e com esse mesmo sol descendo sobre as palmeiras, o cartão-postal por excelência de Porto Alegre, era isso que eu via, um cartão-postal, e isso me bastava, não precisava de outra imagem para perceber a minha cidade e tampouco para descrevê-la, aliás nunca precisei descrever ou contar Porto Alegre como tantas vezes fizera com Istambul diante de uma Fátima muito concentrada e seguindo sabe-se lá com qual imagem na cabeça cada rua mencionada, cada descrição de um bairro, de um mercado, de mercearias, armarinhos, de todos os lugares por onde um dia meu pai me levou puxando-me pela mão enquanto despejava detalhes sobre a época das construções, os movimentos migratórios, a formação dos bairros e a fundação das lojas de comércio pelas quais passávamos e onde ele parava para tomar um chá com o proprietário, cuja história, a da sua família e a do seu estabelecimento, ele começava a contar logo após ter acabado o chá e se despedido do seu interlocutor, era quando nos púnhamos em marcha outra vez, ganhávamos as ruas e então os sons da cidade misturavam-se ao da sua voz, abafavam-na por vezes, sobrepunham-se a ela com o nervosismo típico dos ruídos urbanos, mas sem que eu cessasse jamais de ouvi-la e de me deixar guiar por ela e pelo fluxo confuso de relatos que a bem da verdade não me interessavam muito, ou melhor, não era propriamente a suposta sucessão de acontecimentos que prendia a minha atenção, no fundo as histórias não tinham nem um encadeamento nem um fim muito precisos e emendavam-se na história do outro conhecido com quem cruzávamos logo adiante, misturavam-se nomes e datas numa só torrente de informações que a mim sempre pareceram pertencentes a um mundo que não dizia respeito ao Ibo que eu era, alheio a tudo que não fizesse parte do pequeno universo cotidiano dos seus brinquedos e protegido por essa bolha concentrada de presente que a gente chama de infância, onde as distâncias físicas ou temporais são sempre grandes demais para nos vincular a algo que não está logo ali ao alcance dos sentidos, e o que ele, Ibo, via e podia sentir não estava no que era contado, mas na voz que contava e em sua capacidade para avançar sempre e sempre como se tomada por uma engenharia complexa cujo movimento gerava o combustível necessário para a manutenção do próprio movimento, para a sua extensão, para o seu prolongamento, um pouco como o movimento do braço de Fátima que eu via agora, suspenso e fluido, ampliando o espaço para muito além da sua extremidade física, dotando-se de uma força que a partir de determinado momento parece se desvincular do impulso inicial, deixa de ser esforço ou intenção e torna-se autônoma, entregue ao simples desejo de continuar (o gesto), de continuar a falar através do gesto (veja), de continuar a contar (a voz) e a empilhar detalhes em cima de detalhes numa urgência que o discurso caudaloso tornava evidente, como se ele (o pai) soubesse que um dia tudo aquilo iria desaparecer e como se eu (o filho) tivesse que tudo apreender de uma só vez, como se fosse preciso fixar cada rua, cada esquina, prédio, fachada, poste, calçada, placa, semáforo, cada pedra, cada elemento material que compunha a cidade, mas também cada ruído, cada cheiro, cada luz, cada tom de cor, cada molécula da cidade para estabelecer o mapa definitivo e particular desta (outra) cidade que então poderíamos percorrer, e não apenas com os pés mas também com os ouvidos, olhos e todos os sentidos, onde quer que estivéssemos, onde quer que nos encontrássemos mais tarde, após o desaparecimento, porque no fundo era isso, sim, era isso o que no fundo estava sendo contado, quando agora olho para trás e vejo Ibo em meio à multidão que desce das barcas em Eminönü, de mão com seu pai que aponta para a ponte Galata e lhe diz alguma coisa antes de atravessarem a rua e caminharem entre os pombos que disputam restos de comida, cascas de pistache e farelos de milho espalhados pelo amplo espaço lajeado à frente da Mesquita Nova, quando os vejo contornarem o Bazar Egípcio, enveredar-se por uma ruela estreita onde, segundo o pai, é possível encontrar o peixe mais fresco da cidade, que eles levarão enrolado num papel parecido com os que os vendedores ambulantes de simits utilizam e que colecionávamos com zelo recortando-os em quadrados de quatro por quatro centímetros e colando-os num caderno onde ele anotava o dia, a hora e o local onde tínhamos comprado aquele simit, papéis cuja textura macia e delicadeza dos desenhos formavam mais um mapa para a cidade que percorríamos, um mapa codificado, fechado aos outros mas que se abria a nós numa série de conexões que se deflagravam ao simples toque ou olhar e que podiam nos levar de novo e quantas vezes quiséssemos a um ponto preciso da cidade, qualquer um, por exemplo aquele em que agora eles se encontravam não tocando o papel sedoso e colorido dos simits, mas sentindo nas mãos a textura mais áspera deste outro tipo de papel, mais espesso e suficientemente resistente para manter-lhes as mãos secas durante o trajeto de volta até o apartamento em Kasımpaşa que os receberá em sua sala escura onde eles vão se sentar e ler alguma coisa juntos enquanto a mãe limpa o peixe e prepara o almoço de domingo, quando agora olho para esse menino entre seis e sete anos de joelhos sobre a cadeira e lendo com uma destreza ainda cambaleante as frases que o dedo do pai vai lhe indicando ao longo da página como se as puxasse, como se as inventasse ali mesmo, sobre a página e no momento em que pronuncia a primeira sílaba da palavra e espera que Ibo a complete, quando tento decifrar o que dizem essas palavras, o que contam essas frases, do que trata o livro aberto em cima da mesa, não consigo construir uma imagem que vá além dessa sala escura, dessa mesa, do livro aberto e desse dedo acompanhando a leitura, já que o menino entre seis e sete anos é ainda incapaz de percorrer uma cidade ou as linhas impressas nas páginas de um livro sem a ajuda de um adulto, sem que este lhe empreste seus passos e seus olhos e lhe revele o que ele ainda não pode decifrar, traduzir, ler, ver ou seja qual for a palavra que se queira usar para falar do sentido que pode ter para alguém o que se apresenta diante de seus olhos, por isso quando vejo os olhos vidrados daquele homem segurando com uma firmeza maior do que a de costume a mão do pequeno Ibo, parados os dois diante do cordão de isolamento que os separa de uma montanha de vigas tombadas, paredes desmoronadas, lajes inteiras desabadas num amontoado caótico de pedaços de concreto e ferros retorcidos, e panos, couros, plásticos, vidros, pedras de bijuterias, correntes, colares e uma quantidade infinita de outros materiais, todos fundidos e carbonizados e formando uma montanha negra de destroços e cinzas que exalam um cheiro muito forte e mandam para o ar uma fumaça que cinco dias mais tarde e mesmo com o fogo já extinto continuará a subir no céu de Istambul, quando percebo que nesse preciso instante aquela voz, que era já uma espécie de respiração ou batimento cardíaco, algo já incorporado ao meu interior e fazendo parte da minha existência, quando percebo que aquela voz está agora calada, que o que parecia não se interromper jamais está agora em suspenso e como que à espera de uma tragédia ainda maior, quando a fumaça e o cheiro de queimado realçam com uma nitidez impressionante, dir-se-ia material, o silêncio absoluto em que todos os que se aglomeram junto ao cordão de isolamento estão mergulhados, um silêncio pontuado apenas e de vez em quando pelos estalidos da madeira que ainda queima sem chamas no interior das cinzas e pelo som surdo do movimento dos bombeiros arrastando seus pés e pás e bastões e toda uma parafernália de instrumentos em meio a uma camada de pó escurecido que lhes sobe até o cano das botas em busca de algum sobrevivente, quando no desamparo desse silêncio quase religioso eu olho para meu pai e vejo em seus olhos o reflexo do que está diante de nós, é somente aí, muito depois de que tudo aconteceu, que compreendo a urgência daquele relato imposto a Ibo em suas perambulações pela cidade inteira, inconsciente e premonitoriamente era o relato de um desaparecimento que corria sob aquela torrente de palavras, o desaparecimento de uma geografia, uma história, uma língua, uma cidade inteira que deixa de existir, que será substituída por outra sem que o vácuo da sua morte seja preenchido por alguma coisa diferente e mais construtiva do que este sentimento de ausência um tanto patético que mais tarde se imprimiu aos meus relatos e às descrições de Istambul que eu fazia a uma Fátima muito concentrada, movido eu também por uma urgência indisfarçável e certo compromisso com a transmissão de algo de que bem ou mal eu era o depositário vivo, porém a grande diferença era que eu lhe falava quando tudo já havia desaparecido, quando já não era possível experimentar uma familiaridade com o que estava sendo contado capaz de tornar o relato e o desejo de relatar autênticos, porque evidentemente não era para ela que eu falava, não era para ela que eu descrevia Istambul, ela me escutava, claro, muito concentrada e formando para si sabe-se lá qual imagem da cidade, mas deveria saber que não era para ela que eu falava, não, Fátima, não é para você que eu conto tudo isso, não é você que precisa inventar o passado para justificar o que você é agora, não, Fátima, você não podia saber que não era para você, você era apenas uma criança e para uma criança tudo é presente e realidade, quando eu lhe falava de Istambul já não havia uma Istambul real, por mais que eu a buscasse só o que conseguia era repetir os clichês petrificados dos livros de história e dos relatos de viagens transbordantes de exotismo fácil, muito cedo entendi que jamais poderia reproduzir para você a verdade daquela voz que, mesmo sem fugir do pitoresco que com o tempo se cola inevitavelmente a todas as histórias muitas vezes repetidas, me falava, uma voz que me tocava a ponto de eu ainda hoje lembrar do que ela contava, o episódio da tomada de Constantinopla pelos otomanos, por exemplo, e o sultão Mehmet ii entrando a cavalo na basílica de Santa Sofia, o detalhe da camada de sangue sobre o mármore do piso na qual as patas do cavalo chapinhavam ao cruzar por entre corpos de cadáveres empilhados junto às paredes cobertas de mosaicos bizantinos, pois eu posso lembrar, e lembro, de cada detalhe dessa história contada ali mesmo dentro da Santa Sofia, mas sou incapaz de reconhecer uma só fotografia do seu interior que fuja do ângulo clássico em que se vê, de baixo para cima, a magnífica cúpula levitando sobre uma coroa de arcos e como que suspensa pela luz que invade suas janelas, não consigo reconhecer um só detalhe que não seja um desses tantos reproduzidos com obstinação nos folhetos turísticos, guias de viagem ou documentários sobre as belezas arquitetônicas de Istambul, lembro do que ouvia e não do que via, lembro que ouvia e não que via, assim como agora ouço e não vejo você dizer veja, veja a Mesquita Nova e as de Süleymaniye e de Beyazıt iluminadas, veja as barcas que cruzam o Bósforo dia e noite, veja as luzes de Eyüp mais à direita, veja no outro lado a Mesquita Azul com seus imensos minaretes, veja a Santa Sofia e o Palácio de Topkapı, eu ouço você repetir veja, veja, veja, mas desconverso e pergunto se já é tarde, nunca sei quantas horas são de diferença, Fátima, e ela confirma, é tarde, é muito tarde, mas ainda dá para ver, veja, e eu digo não, ela não entende, mas eu não vejo nada além do movimento do seu braço, mesmo que ele já não apareça mais na tela do computador e agora sejam, o braço e ela própria, apenas a continuação do seu gesto, é esse movimento que vejo e essa voz que ouço, como se um e outro fossem inseparáveis, veja, e seu braço foi se distendendo pouco a pouco como que despertando de um sono ancestral, espreguiçando-se, ombro, cotovelo, antebraço, punho, mão, dedo, e ainda depois, à frente, abrindo espaço à frente com essa voz que insiste, veja, veja, meu pai, veja.</div>
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; color: #111111; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 12px; line-height: 18px; margin-top: 20px; outline: 0px; padding: 0px 15px 0px 0px; vertical-align: baseline;">
Foi a última vez que vi a minha filha.</div>
<br />
<div id="authors_resume" style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; color: #111111; float: left; font-family: Georgia, Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: 12px; line-height: 12px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 25px 0px 0px; vertical-align: baseline; width: 525px;">
<a href="http://rascunho.gazetadopovo.com.br/?post_type=autor&p=16650" style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; clear: both; color: #111111; display: block; font-family: Tahoma, Geneva, sans-serif; margin: 0px 0px 7px; padding: 0px; text-decoration: none; vertical-align: baseline;">AMILCAR BETTEGA</a><br />
<div style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: url(http://rascunho.gazetadopovo.com.br/wp-content/themes/rascunho/style/images/hash_body.png); background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; float: left; font-family: Tahoma, Geneva, sans-serif; font-size: 9px; font-weight: bold; line-height: 11px; outline: 0px; padding: 5px; vertical-align: baseline; width: auto;">
Nasceu em São Gabriel (RS), em 1964. É autor, entre outros, de <b style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">O voo da trapezista </b>(1994) e <b style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">Os lados do círculo </b>(2004). <b style="background-attachment: initial; background-clip: initial; background-image: initial; background-origin: initial; background-position: initial; background-repeat: initial; background-size: initial; border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">Barreira</b>, seu primeiro romance, será lançado em agosto pela Companhia das Letras. Vive em Lisboa, Portugal.</div>
</div>
dani langerhttp://www.blogger.com/profile/00378449579306691066noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6311349724459827869.post-69543721761719817792014-07-09T16:46:00.002-03:002014-07-09T16:46:32.010-03:00Dia 12/07, Diário da queda, de Michel LaubEm preparação para o próximo evento, segue uma entrevista com Michel Laub, autor de Diário da queda.<br />
Lembrando, o encontro será dia 12 de julho, sábado, as 10h, com o escritor Rafael Bán Jacobsen apresentando a sua leitura do livro de Laub.<br />
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://www.companhiadasletras.com.br/images/livros/13083_gg.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="http://www.companhiadasletras.com.br/images/livros/13083_gg.jpg" height="320" width="213" /></a></div>
<br />
<h2 class="review_title">
Merecido descanso</h2>
<h4>
"Não acho que uma época que tem J. M. Coetzee,
Javier Marías, Philip Roth e Lobo Antunes permita que se diga que o
romance está morto."</h4>
<h4>
Por Rogério Pereira, no jornal <a href="http://www.rascunho.com.br/" target="_blank">Rascunho </a></h4>
Michel Laub ambiciona descansar, esvaziar a cabeça, afastar-se da
“obrigação” de pensar no próximo livro. Foi assim após o término de seus
quatro romances anteriores. Agora, com <strong>Diário da queda </strong>nas
livrarias, não é diferente. Até porque Laub está muito satisfeito com o
resultado. “Acho que desta vez consegui dizer tudo o que queria”,
afirma nesta entrevista concedida por e-mail, ao explicar por que
considera <strong>Diário</strong> sua melhor obra.<br />
Mas por pouco o romance não se transforma em apenas tentativa. Em
vários momentos, Laub pensou em desistir, em dar meia volta e relegar o
romance ao esquecimento. “Minha idéia inicial era fazer um livro mais
leve que os anteriores, se possível com algum humor, e quando vi estava
escrevendo sobre Auschwitz”, conta. Abordar o nazismo, seus efeitos
terríveis e questionamentos sobre a cultura judaica transformou o
processo de escrita numa grande dúvida: “Várias vezes me peguei
pensando: o que eu tenho a dizer sobre esse tema que já não foi tantas
vezes dito e por escritores muito melhores que eu, inclusive alguns que
passaram por campos de concentração?”.<br />
A seguir, Michel Laub fala sobre estas dúvidas, o processo de construção de <strong>Diário da queda</strong>,
de literatura contemporânea brasileira, de marketing literário e das
inovações tecnológicas em torno da leitura, entre outros assuntos.<br />
<br />
<br />
<strong>• O senhor afirmou que considera <em>Diário da queda </em>seu melhor livro. Por quê? Que tipo de evolução o leitor encontrará nele em relação a seus outros quatro romances?</strong><br />
Acho que desta vez consegui dizer tudo o que queria. Nos anteriores,
eventualmente achei que alguma idéia ou situação ficcional poderia ter
sido mais desenvolvida, e não foi por causa de uma espécie de prisão da
forma, a necessidade de ser elegante na prosa ou manter determinado tom
ou ritmo. Mas isso não é algo que aparece de uma hora para a outra, uma
evolução abrupta. <strong>O</strong> <strong>gato diz adeus</strong>,
meu romance anterior, que é uma espécie de Patinho Feio dos meus livros,
foi bem importante neste sentido, o de soltar a mão e poder fazer uma
prosa que me desse mais liberdade.<br />
<br />
<br />
<strong>• Após cinco romances, o senhor acredita que encontrou a sua voz narrativa, o seu estilo?</strong><br />
Tem uma fala de um personagem do <strong>Verão</strong>, do Coetzee
(dita em outro contexto), defendendo que o escritor de verdade às vezes
precisa “deformar a própria mídia para dizer o que quer”. Ou seja, o
importante mesmo são as idéias. O estilo vai se adequar a isso, de uma
forma ou de outra, quase como se fosse um mero instrumento. É um
exagero, claro, mas tem um fundo de verdade, que sinto cada vez mais no
que escrevo: a irrelevância, por vezes, de ficar ajeitando muito,
fazendo muito rococó. O resultado dessa despreocupação talvez seja a
“voz” a que você se refere.<br />
<br />
<br />
<strong>• No seu caso como se dá este processo todo: concepção,
construção e finalização de uma obra ficcional? Como acertar no
equilíbrio entre forma e conteúdo?</strong><br />
Não consigo planejar muito. Vou escrevendo e a história vai tomando
forma. Muitas frases, falas e situações que acabaram sendo importantes
nos livros surgiram meio que por acaso nesse rascunho inicial. Depois,
sim, faço um trabalho de edição, invertendo ordem de cenas, ajeitando o
tom geral da prosa para ficar mais uniforme, coisas assim. Normalmente o
sentido do livro, aquele negócio de dizer que é uma história sobre o
amor, a amizade, o mundo moderno ou sei lá o que mais, aparece nesse
momento. Aí dou uma ajeitadinha aqui e ali para que esse sentido fique
mais evidente. Ou menos, dependendo do caso.<br />
<br />
<br />
<strong>• E de que maneira o senhor escolhe os nomes para seus personagens?</strong><br />
Pela sonoridade, só. Em geral, escolho os mais simples. Tenho
resistência a nomes com significados enigmáticos ou literários. Acho uma
piscada de olho meio infantil para a crítica e para leitores
“espertos”.<br />
<br />
<br />
<strong>• Quais são os seus maiores temores, medos, diante do início
de um trabalho, de uma incursão, que pode acabar em fracasso, inconcluso
ou insatisfatório?</strong><br />
O maior medo não é no início, e sim lá pelo meio, quando você se dá
conta de que já gastou tempo e energia demais no livro, a ponto de não
ser indolor — para dizer o mínimo — ter de jogar tudo fora. E jogar tudo
fora é sempre uma possibilidade. Por mais livros que você tenha
escrito, e por mais experiência que esse trabalho anterior dê para que
você não fique tão ansioso e no escuro quanto ao resultado de algo em
andamento, nunca há garantia de nada.<br />
<br />
<br />
<strong>• Faulkner dizia que só necessitava de “papel, fumo, comida e
um pouco de uísque” para criar a sua literatura. De que o senhor
precisa para trabalhar de maneira adequada as suas criações?</strong><br />
Um computador e tempo. Mas tempo significa não estar trabalhando em algo
que dá dinheiro. E é preciso pagar as contas nesse período.<br />
<br />
<br />
<strong>• Borges garantia que nunca lia seus livros depois de
publicados, pois tinha “muito receio de me sentir envergonhado com o que
fiz”. O senhor relê seus livros após a publicação? Que sentimento esta
leitura lhe causa?</strong><br />
O ideal seria não abrir mais o livro. Mas às vezes preciso escolher
trechos para ler em debates, esse tipo de coisa. O sentimento é
variável: às vezes um lamento por não ter trabalhado mais e tornado
aquele trecho mais interessante, às vezes o espanto por ver que algo é
melhor que eu lembrava.<br />
<br />
<br />
<strong>• O memorialismo e a autoficção são marcas muito fortes em
toda a sua obra. Como e quando se deu esta escolha? Houve um
planejamento para seguir por este caminho?</strong><br />
Não é uma escolha. Você vai experimentando temas, e uma hora acha um
caminho no qual se sente mais à vontade. Isso vale para tudo — tipo de
narrador, formato, tamanho de livro. Eu poderia dizer que na vida real
sou uma pessoa que tem boa memória e tal, mas só isso não justifica. Há
muitas características minhas da vida real que nunca entraram, ou
entraram muito pouco, nos livros.<br />
<br />
<br />
<strong>• <em>Diário da queda</em> é a sua primeira abordagem
ficcional sobre o judaísmo. Há no romance um forte questionamento sobre a
cultura judaica. O tema acarretou cuidados especiais no momento da
escrita?</strong><br />
Cuidados por pudor, não. Com o tempo você dá de barato que algumas
pessoas vão gostar do que você escreve, outras não, algumas vão se
sentir retratadas nos livros (justificadamente ou não) e assim por
diante. Não dá para ficar pensando muito a respeito, caso contrário você
não produz nada. Mas em vários momentos da escrita do <strong>Diário</strong>
eu quase desisti porque minha idéia inicial era fazer um livro mais
leve que os anteriores, se possível com algum humor, e quando vi estava
escrevendo sobre Auschwitz. Então, várias vezes me peguei pensando: o
que eu tenho a dizer sobre esse tema que já não foi tantas vezes dito e
por escritores muito melhores que eu, inclusive alguns que passaram por
campos de concentração? A solução, digamos, foi trazer esse problema
para dentro do livro. O narrador se faz essas perguntas o tempo inteiro.
É a esse tipo de coisa que me refiro quando falo em “dizer tudo o que
queria”. Não ficou nada de fora. E o <strong>Diário</strong> acabou um livro não sobre Auschwitz, mas sobre a dificuldade de escrever sobre Auschwitz, entre outros assuntos.<br />
<br />
<br />
<strong>• E também sobre os limites da palavra escrita, da sua incapacidade de dar conta do mundo real…</strong><br />
Todo livro é sobre isso, de algum modo.<br />
<br />
<br />
<strong>• A palavra escrita e a literatura, de alguma forma, também são protagonistas de <em>Diário da queda</em>. O senhor consegue imaginar como seria a sua vida sem a literatura? No seu caso, seria possível viver bem sem ela?</strong><br />
Já escrevo há mais de 10 anos, e é evidente que a literatura faz parte
do meu dia-a-dia. Mas a minha vida não é tão presa a isso, ou não como
poderia ser. Pouquíssimas vezes namorei gente do meio literário, por
exemplo, e uns 70% dos meus amigos não são desse meio. Ou são, mas
conversamos relativamente pouco a respeito, com um índice relativamente
baixo de elogios mútuos obrigatórios e coisas assim.<br />
<br />
<br />
<strong>• O senhor concorda com a afirmação de que seus cinco livros compõem um amplo romance de formação?</strong><br />
Pode ser, porque eles têm elementos típicos desse gênero. Mas gosto de
acreditar que eles são histórias específicas, e que os sentidos maiores
só aparecem depois, nas interpretações de leitores e da crítica. <strong>Longe da água</strong><em> </em>é
um livro sobre memória e culpa, ok, mas antes é uma história de um
surfista que se apaixona pela namorada de um outro surfista. Idem <strong>O segundo tempo</strong>, que é a história de dois irmãos que vão a um jogo de futebol enquanto os pais estão se separando, e assim por diante.<br />
<br />
<br />
<strong>• Recentemente, o crítico Alcir Pécora, num encontro
promovido pelo Instituto Moreira Sales, teceu duras críticas à
literatura brasileira contemporânea. E, em especial, à chamada Geração
90, que ele chamou de coisa de “tias”. O senhor concorda com esta
suposta crise de qualidade da literatura brasileira? Ou a crítica não
tem conseguido avaliar de maneira adequada a produção atual?</strong><br />
Concordo com várias coisas que ele disse, principalmente sobre o impasse
da literatura diante de um mundo onde tudo é narrativa. Por causa das
redes sociais, por exemplo, é como se a experiência pessoal acontecesse
só para se transformar na narrativa dessa experiência. Mas não
compartilho do pessimismo sobre a resposta que a literatura poderá dar
diante disso. Talvez ela já esteja dando. Talvez seja uma resposta
simples: histórias mais aprofundadas, trabalho de linguagem mais
aprofundado do que lemos no mar de bobagens que existe por aí, ponto.
Uma resposta mais “tradicional” do que o Pécora espera, quem sabe, mas
aí entramos num negócio subjetivo, de argumento contra argumento. Não
acho que uma época que tem J. M. Coetzee, Javier Marías, Philip Roth e
Lobo Antunes (ou mesmo Bolaño, David Foster Wallace e Sebald, que
morreram jovens, mas ainda são contemporâneos) permita que se diga que o
romance está morto. Claro que o romance não voltará a ter a
centralidade que tinha no século 19, mas isso ocorre por motivos
históricos, sociológicos, tecnológicos, enfim, uma discussão que não é
estética, de qualidade das obras. No Brasil talvez seja a mesma coisa,
embora nesse caso eu não tenha isenção para falar, por motivos óbvios.
Apenas digo que a Geração 90 ou qualquer grupo literário é formado por
autores, cada um com sua obra própria, e é essa obra que deveria ser
analisada, e não se o autor é boa gente ou não, faz marketing ou não.
Marketing todo mundo faz, é uma característica da nossa época. Inclusive
o crítico que dá entrevista. Isso não invalida os argumentos do crítico
e nem os livros do escritor.<br />
<br />
<br />
<strong>• Mas é muito comum que a política literária e os bons
relacionamentos sejam colocados em primeiro plano em detrimento à
qualidade da obra literária. Isso é um perigo concreto nestes tempos de
twitter, facebook, etc.?</strong><br />
Perigo do quê? De sair umas resenhas e comentários a mais sobre o livro
x, quando deveriam ser sobre o y? Isso fica num nível muito raso, que a
médio prazo não tem nenhuma importância. Todo leitor sabe se um livro é
bom ou ruim, se um autor é bom ou não. É uma avaliação íntima, que
independe da imprensa, da capa, dos comentários alheios. Não vejo essa
história toda nem como novidade. Até parece que escritores antigos não
faziam política literária e conchavos. É só ler as cartas do Guimarães
Rosa, do Thomas Mann, de tantos outros. As do Guimarães Rosa chegam a
ser patéticas nesse sentido, e isso em nada ajudou ou prejudicou a
aceitação crítica da obra dele. A aceitação até veio na época dele, mas,
se dura até hoje, é por causa da obra tão-somente.<br />
<br />
<br />
<strong>• E qual é a principal marca da literatura brasileira
contemporânea? É possível identificar um traço comum, por exemplo, na
chamada Geração 90 ou na 00?</strong><br />
A marca é a diversidade. Muita gente escrevendo muito sobre muitos
assuntos. A tendência é que isso se acentue, justamente porque tudo é
mais fragmentado hoje e as influências individuais da infância e
adolescência — filmes, livros, programas de tevê, etc. — são muito
diferentes caso a caso. Até o conceito de literatura regional/nacional
será relativizado, de alguma maneira, porque dá muito bem para alguém
crescer em Maringá lendo apenas sites de língua inglesa, esse tipo de
coisa.<br />
<br />
<br />
<strong>• Quais autores contemporâneos brasileiros mais lhe chamam a atenção?</strong><br />
Tem muitos. Um livro brasileiro que li recentemente e achei muito bom foi o <strong>Pornopopéia</strong>, do Reinaldo Moraes.<br />
<br />
<br />
<strong> </strong><br />
<strong>• E quais autores foram e são fundamentais em sua vida de
leitor/escritor? Que gênero literário tem espaço privilegiado em sua
biblioteca afetiva?</strong><br />
Em primeiro lugar os caras que faziam gibis de terror da editora Vecchi.
Parece bobagem, mas a leitura daquilo com 6, 7 anos talvez tenha sido a
coisa que mais me marcou. Era um negócio muito bizarro, com sexo
bestial e coisas do gênero. E é engraçado porque descobri que outros
escritores brasileiros, como o Daniel Pellizzari e o Leandro Sarmatz,
também leram aquilo e ficaram com uma impressão parecida. Mais tarde,
dos 10 até uns 20 anos, os mais importantes devem ter sido <em>Coleção Vagalume</em>, Agatha Christie, Rubem Fonseca e Albert Camus.<br />
<br />
<br />
<strong> </strong><br />
<strong>• Como é a sua rotina de leitor? O senhor faz uma programação, um projeto de leitura?</strong><br />
Não. Sempre li várias coisas ao mesmo tempo e sem muito método.<br />
<br />
<br />
<strong> </strong><br />
<strong>• Ainda levando-se em conta a facilidade de propagação de
informações, qual a capacidade da literatura de pautar discussões
atuais? Que tipo de espaço está reservado à literatura?</strong><br />
Pouco espaço, o que não é novidade. Com as outras artes é parecido: o
teatro há séculos se tornou uma diversão para meia dúzia. A dança, para
menos gente ainda. Mesmo o cinema, que ainda tem uma importância grande,
hoje é menos visto do que há 50 anos. A televisão e a música pop também
estão nesse caminho, por causa da fragmentação e tribalização
crescentes, que tornam mais raros os ídolos universais. Por outro lado,
não tenho dúvidas de que hoje se lê muito mais do que há 20 ou 30 anos.
Pode ser uma leitura sem atenção e sem “qualidade”, mas essa é uma outra
história.<br />
<br />
<br />
<strong> </strong><br />
<strong>• E há também uma profusão imensa de festivais, bienais,
encontros, feiras do livro espalhados pelo Brasil afora. Além disso, há
algum tempo o mercado editorial está agitado. Um exemplo é a chegada de
grandes grupos editoriais ao país. Vivemos um momento mais propício à
leitura, aos livros?</strong><br />
O mercado se profissionalizou e se fala muito mais em livros hoje.
Agora, como disse antes, não sei bem que tipo de leitura é essa.<br />
<br />
<br />
<strong> </strong><br />
<strong>• Ainda sobre este assunto: quais caminhos precisam ser
reforçados para que o Brasil consiga transformar-se num país de
leitores? Ou isso é uma utopia?</strong><br />
Entendo pouco desse assunto. Posso falar da minha experiência pessoal:
tenho um irmão que lê pouco, e fomos criados no mesmo ambiente, com os
mesmos e melhores estímulos. Então, também é uma questão vocacional: nem
todo mundo se tornará leitor, por mais que os governos e escolas façam a
coisa certa. O que não significa, óbvio, que eles não devam fazer isso.
Certamente há uma margem de vocacionados que se perdem por falta do
estímulo certo.<br />
<br />
<br />
<strong>• O senhor trabalhou durante muito tempo na revista <em>Bravo!. </em>De que maneira avalia o trabalho da crítica literária na imprensa nos últimos anos?</strong><br />
Não vejo a crítica como uma entidade. Ela é formada por pessoas —
ótimas, medianas, ruins ou péssimas, como sempre foi e continua sendo.
As medianas são maioria, como em qualquer profissão.<br />
<br />
<br />
<strong>• Todo escritor deseja encontrar um leitor, ser ouvido,
provocar algum tipo de ressonância. Que tipo de leitor o senhor busca?
Qual o seu leitor ideal?</strong><br />
Não penso muito nisso. São tantas possibilidades de leitura, e todas
podem ser boas ou ruins, que se ater a uma só seria seguir uma espécie
de fórmula, escrever para contentar alguém que pensa assim ou assado. O
leitor ideal acaba sendo eu mesmo, enquanto estou escrevendo — no
sentido óbvio de que só vai para a versão final aquilo que passa pelo
meu crivo. Mas de livro para livro, até porque passa o tempo, eu me
torno uma pessoa diferente, com gosto literário diferente.<br />
<br />
<br />
<strong>• Que tipo de literatura lhe parece completamente descartável?</strong><br />
Nenhuma, a princípio. Depende mais da qualidade do que está escrito do que do tema e do gênero.<br />
<br />
<br />
<strong>• Durante sua participação no projeto Paiol Literário, em
2007, o senhor afirmou que “a literatura traz mais infelicidade do que
felicidade. Mais angústia, mais depressão. (…) Você passa a vida inteira
correndo atrás de algo que nunca vai alcançar”. Atrás do que o senhor
está correndo, o que busca alcançar com a sua literatura?</strong><br />
É justamente a consciência de que eu nunca vou alcançar um ideal de
perfeição estética que me faz ter mais tranqüilidade. Ou seja, tenho
consciência da minha dimensão. O tipo de livro que escrevo, por
característica e por qualidade mesmo, nunca será aquilo que as
enciclopédias considerariam uma obra representante de época ou algo
desse naipe. Nem sei, sinceramente, se gostaria de escrever esse tipo de
livro. Então está tudo ok. Se tenho um objetivo, é escrever os melhores
livros possíveis diante das circunstâncias — nas quais, claro, está
incluído o meu próprio talento.<br />
<br />
<br />
<strong>• Um assunto quase inevitável: é possível medir o impacto de
tecnologias como os e-books sobre a literatura e os leitores? Está
realmente surgindo um novo tipo de leitor, ou ele sempre será o mesmo
independentemente do suporte?</strong><br />
Tenho impressão de que sim, embora isso ainda vá demorar muito para ser
notado e entendido. Exemplo pequeno: a internet está mudando a forma
como as pessoas escrevem. Basta comparar a maneira como escrevíamos
cartas e a maneira como escrevemos e-mails. Há uma informalidade maior,
uma coloquialidade com a qual temos contato todos os dias, o tempo todo.
Se a linguagem oral muda a escrita ao longo dos anos, por que uma forma
que já é escrita e é tão usada quanto a forma oral não faria o mesmo?
Mudando a maneira como se escreve, muda a maneira como se lê, porque se
cria um novo parâmetro de gosto. O que, por sua vez, muda a maneira como
literariamente se vai escrever para agradar (ou confrontar) esse gosto.
Enfim, isso apenas falando do nível formal mais básico, sintático
mesmo. Se entrarmos em questões de conteúdo, de como a sociedade mudou e
como ela vai ser retratada pela literatura daqui para a frente —
exemplo também pequeno: a idéia (ou não) de privacidade no mundo das
celebridades e redes sociais —, a discussão se torna mais complexa.<br />
<br />
<br />
<strong> </strong><br />
<strong>• Além de freqüentar a oficina de criação literária de Luiz
Antônio de Assis Brasil, em Porto Alegre, o senhor também já ministrou
cursos de escrita criativa. Qual a importância deste tipo de iniciativa
na formação de novos escritores?</strong><br />
A oficina não dá talento a ninguém. O que ela faz é facilitar o acesso a
instrumentos técnicos e teóricos, como uma escola de pintura ensina a
fazer sombra e contorno, ensina que existiram as escolas pictóricas x e
y, que o pintor tal inventou a técnica tal. Dá para aprender tudo isso
sozinho, mas demora mais tempo.<br />
<br />
<br />
<strong>• Faulkner defendia que todo escritor é completamente amoral,
“no sentido de que vai roubar, tomar emprestado, implorar ou furtar de
qualquer um e de todo mundo para poder concluir seu trabalho”. O senhor
concorda ou a própria literatura se impõe limites?</strong><br />
Em tese, esse tipo de frase é muito atraente, num sentido romântico. Não
acho que valha para todos os casos. Nos que vale, o fato de um livro
ser bom não desculpa a canalhice do escritor. É bem possível que o livro
seja bom apesar da canalhice, e não por causa dela.<br />
<br />
<br />
<strong>• O senhor já trabalha em um novo livro? O que o leitor pode esperar depois de <em>Diário da queda</em>?</strong><br />
Nada, por enquanto. Depois que termino um livro passo meses querendo apenas descansar.dani langerhttp://www.blogger.com/profile/00378449579306691066noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6311349724459827869.post-44595960085067201372014-07-09T16:38:00.001-03:002014-07-09T16:38:42.626-03:00Auto-ficção: o eu no centro da literaturaA literatura brasileira contemporânea tem nos colocado, cada dia mais, diante da chamada "literatura do eu" ou auto-ficção. A centralização do autor/narrador/personagem parece, por um lado, um modismo. Por outro, pode ser uma tendência de uma sociedade cada vez mais centrada no particular. <br />
O certo é que existe desconfiança, tanto de parte dos leitores, quanto da crítica e escritores.<br />
<br />
Segue a matéria feita por Luciana Hidalgo sobre o tema. O texto está no jornal <a href="http://rascunho.gazetadopovo.com.br/" target="_blank">Rascunho</a>.<br />
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="http://rascunho.gazetadopovo.com.br/wp-content/uploads/2013/09/Autofic%C3%A7%C3%A3o_TS_162.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="http://rascunho.gazetadopovo.com.br/wp-content/uploads/2013/09/Autofic%C3%A7%C3%A3o_TS_162.jpg" height="320" width="232" /></a></div>
<br />
<br />
<i>Autoficção</i> é cada vez mais uma palavra-valise capaz de
coagular tendências difusas na literatura contemporânea. Ao inventá-la
em 1977, o escritor e professor de letras francês Serge Doubrovsky
tentava apenas apresentar seu romance <b>Fils</b>, sem intenção de lançar um conceito. No entanto, ao somar <i>auto</i> a <i>ficção</i>,
jogou na literatura uma equação-bomba com tão alto teor de sugestão
poética e ontológica que acabou funcionando como estímulo a práticas
literárias freqüentemente imprensadas entre <i>autobiografia </i>e <i>ficção</i>.
Desde então, autores de culturas européias, brasileiras, africanas,
árabes, etc. entendem o vocábulo como querem (ou podem), levando a
pulsão do <i>eu </i>ao extremo e se libertando da interdição da conjunção vida-obra que sempre assombrou a história da literatura.<br />
É verdade que no século passado autores como Marcel Proust,
Louis-Ferdinand Céline, Jean Genet e Henry Miller já partiam de
experiências autobiográficas para tramar suas ficções, apesar do tabu em
torno do assunto. Abriram então uma fenda na tradição com uma vertente
híbrida. O grande valor estético de suas obras as alçou ao cânone<i> </i>sem
grande estardalhaço em torno do fundo autobiográfico — talvez porque a
noção de privacidade na época fosse outra, sem o exagero da cultura da
celebridade atual.<br />
No Brasil, um dos pioneiros dessa audácia foi, sem dúvida, Lima
Barreto, que no início do século 20 emprestou características pessoais a
protagonistas de alguns de seus romances, como <b>Recordações do escrivão Isaías Caminha</b>, recebendo críticas ferrenhas por tamanha insolência. Segundo Antonio Candido (no texto <i>Os olhos, a barca e o espelho</i>),
o autor “canalizou a própria vida para a literatura, que o absorveu e
tomou o seu lugar; e esta doação de si mesmo atrapalhou-o paradoxalmente
a ver a literatura como arte”.<br />
Esse caráter de confissão detectado fora do domínio do diário ou da
autobiografia clássica nem sempre foi bem-vindo, sobretudo na ficção, já
que a crítica delineava uma fronteira quase palpável entre <i>vida </i>e <i>arte</i>. Quando a palavra <i>autoficção</i> surgiu, pareceu aos poucos avalizar ou mesmo autorizar escritores às voltas com o <i>eu </i>recalcado, como se os redimisse da culpa pelos excessos do narcisismo nas letras.<br />
Em <i><b>Autofiction: Une aventure du langage</b></i>, Philippe Gasparini explica o fenômeno autoficcional como decorrência do contexto pós-1968, pós-<i>desbunde</i>,
quando houve toda uma liberação sexual, do comportamento e da palavra. A
seu ver, o corpo está mais presente na autoficção do que na chamada <i>autobiografia</i>, mas estranhamente surge menos <i>liberado</i>,
mais martirizado por fragilidades e defeitos. A sexualidade é pouco
visível em narrativas autoficcionais, enquanto crises familiares
imperam, tanto que os coadjuvantes são em geral pais, filhos ou amantes
dos autores.<br />
<b>Desentendimentos teóricos<br />
</b>O termo no original, <i>autofiction</i>, rende na língua portuguesa a tradução direta <i>autoficção</i>,
mantendo toda a carga semântica incubada na junção das palavras. Há
décadas usada coloquialmente, passará enfim ao léxico oficial no Brasil,
com direito ao seguinte verbete na próxima edição do prestigioso
Dicionário Houaiss:<br />
<b><i>autoficção</i></b><i> s.f. (déc. 1980) lit tipo de prosa em que
uma versão autobiográfica ficcional se mescla com a história real,
freq. tendo nela a mesma identidade nominal o seu autor, o narrador e o
protagonista ◉ETIM fr. autofiction (1977), termo cunhado pelo escritor e
crítico literário francês Serge Doubrovsky (1928-) na quarta capa do
seu livro Fils; ver aut(o)- e fing-</i><br />
Num mundo onde se globalizam economias e políticas, poderes e
quereres, era de se esperar que a literatura também se globalizasse. Daí
a velocidade com que a autoficção circula entre autores de
nacionalidades sortidas, passíveis de interpretar o neologismo segundo
sua cultura, herança, mas, sobretudo, subjetividade. No rastro desses
escritores está, é claro, a crítica em sua função de reflexão. Mas essa é
uma via de mão dupla, afinal, a discussão teórica na França também
levou alguns romancistas a refletir sobre o termo, passando a
utilizá-lo. Um exemplo é a escritora Camille Laurens, que, ao
descobri-lo, identificou-se de imediato. Não só o emprega ao falar de
seus romances como escreve ensaios críticos sobre a sua própria
autoficção.<br />
Nesse polêmico processo de circunscrição teórica do conceito,
estudiosos da literatura, especialmente franceses, têm se polarizado:
existem os discípulos de Serge Doubrovsky, inventor do termo, portanto
empenhado em consolidá-lo teoricamente; e os defensores de Philippe
Lejeune, grande especialista da autobiografia que recusa a possibilidade
de uma recepção, digamos, <i>ambígua</i> do texto apresentado como <i>autoficção</i>.
Lejeune é categórico ao afirmar que o leitor, diante da idéia de ler um
texto como autobiografia e ficção, não percebe exatamente o que há de
uma e de outra, então o lerá sempre como uma autobiografia clássica. Ou
seja, pouco importa a <i>ficção</i> contida na palavra-valise; o teor ficcional foge aos olhos de críticos fixados no primado do <i>auto</i>.<br />
Tanto desentendimento teórico faz com que a inscrição da autoficção como <i>gênero </i>avance pouco, sem sua inoculação exata no painel de gêneros já solidificados. Doubrovsky defende que sua <i>autofiction</i>
traz novidades por se tratar de “uma variante pós-moderna da
autobiografia”, desprendendo-se do relato autobiográfico tradicional
pela não-cronologia dos fatos, pela infidelidade a uma <i>verdade</i> e pela imposição da ficção, ou seja, por ser “uma reconstrução arbitrária e literária de fragmentos esparsos da memória”.<br />
Nesse cabo-de-guerra da teoria, Philippe Lejeune cede pouco, mas a certa altura foi diplomático ao concluir (no artigo <i>Georges Perec: Autobiographie et fiction</i>): “(…) utilizemos, se quisermos, o termo <i>autoficção</i>
no senso mais amplo e vago, para designar este lugar intermediário onde
se passam tantas coisas apaixonantes e complicadas”. Enfim, somente em
um ponto há unanimidade: o conceito permanece fluido.<br />
<b>Libertação do <i>eu<br />
</i></b>Ao se refletir sobre a autoficção na literatura brasileira a
partir de estudos teóricos franceses, portanto, a primeira questão que
se impõe é óbvia: por que ler autores nacionais sob a perspectiva de um
termo importado da França que sequer tem um consenso em seu país de
origem? Justamente porque é nesse terreno movediço de definições e
indefinições que a autoficção mais germina, inclusive no Brasil. Desde o
lançamento de <b>Vida e morte de M. J. Gonzaga de Sá</b>, de Lima Barreto, em 1919, até a publicação de <b>Divórcio</b>, de Ricardo Lísias, em pleno 2013, uma linhagem de autores brasileiros às voltas com mitologias íntimas se estabelece, com um <i>eu </i>real-fictício cada vez mais impositivo.<br />
Quanto a Lima Barreto, há indícios de que se trata de um dos
fundadores de uma tendência autoficcional na literatura brasileira.
Afinal, ele não somente escreveu romances autobiográficos como quase
inscreveu a identidade onomástica nas letras nacionais há quase um
século ao lançar <b>Vida e morte…</b>. Cartas trocadas entre o autor e
um amigo sugerem que ele havia deixado seu próprio nome de batismo,
Afonso, num dos personagens até a última revisão das provas. Não fosse
pelo pudor em lançar um romance com personagem homônimo, Afonso
Henriques de Lima Barreto teria inaugurado uma autoficção <i>avant la lettre </i>na
década de 1910, confirmando a tese de Serge Doubrovsky segundo a qual
“na autoficção o autor deve dar seu próprio nome ao protagonista, pagar o
preço por isso (…) e não se legar a um personagem fictício”.<br />
Barreto certamente fundou uma forma ficcional de dizer o <i>eu </i>na literatura brasileira<i>, </i>marcada por um traço muito particular: a utilização do espaço autônomo da ficção onde, ao falar do <i>eu</i>, alardeava questões sociais, raciais e políticas coletivas. Seu mal-estar pessoal, e também em relação à sociedade da <i>belle époque</i>,
o levou a produzir uma surpreendente literatura de si mesmo, que às
vezes parecia partir de um egocentrismo, mas visava o coletivo, isto é, a
denúncia como ferramenta de transformação social e política do país.
Devido a essa e outras irreverências, o autor foi quase banido da vida
literária. A intelectualidade de seu tempo não perdoou a virulência
verbal com que ele exibia práticas e traumas históricos. Porque, ao se
expor, Lima Barreto expunha feridas nacionais.<br />
É importante notar que o exercício autoficcional de Lima Barreto
constituiu uma exceção num país tão católico como o Brasil, onde a idéia
de Estado laico é até hoje tão frágil. O autor foi no mínimo precoce ao
forçar a expressão do <i>eu</i>, afinal este foi intensamente reprimido
pelo catolicismo ao longo dos séculos, sobretudo em países menos
desenvolvidos onde apenas a religião parece compensar a desesperança. Se
na sociedade francesa o medo do <i>eu </i>vem de Pascal, de seu “eu odioso”, como já sugeriu Philippe Lejeune, no Brasil tratou-se provavelmente de um <i>eu </i>indizível diante da moral cristã.<br />
E se olharmos em retrospectiva, esse <i>eu </i>parece ter começado a
se liberar na literatura brasileira de forma mais evidente lá pelo final
dos anos 1970, exatamente na década em que o neologismo <i>autoficção</i> foi criado na França — e quando a psicanálise ganhou importância no Brasil. Seguindo uma linhagem barretiana, esse <i>eu </i>se
apresentaria menos narcísico, já que se engajava na causa política
coletiva contra o regime militar. E nesse contexto é impossível não
exaltar <b>O que é isso, companheiro?</b> (Companhia das Letras), de
Fernando Gabeira, publicado no final de 1979, quando o autor voltava ao
país após dez anos de exílio.<br />
<b>O que é isso, companheiro?</b><i> </i>é classificado como
“romance-depoimento” no próprio site da editora. Sua epígrafe é uma
frase de Guimarães Rosa: “(…) narrar é resistir”.Gabeira narra, resiste,
testemunha. Não se trata de mera narrativa jornalística onde o autor
descreve o cotidiano de um guerrilheiro com objetividade. Há muito do
subjetivo quando ele entrelaça seu percurso pessoal ao da luta armada.
Justamente por isso trata-se de um livro-denúncia audacioso, editado num
período ainda nevrálgico de transição à democracia.<br />
É importante lembrar que “O que é isso, companheiro?” é uma pergunta
feita ao longo da trama toda vez que um guerrilheiro ousa ter um momento
mais pessoal em detrimento da causa coletiva. Essa questão surge como
uma espécie de auto-repressão entre os militantes. O que se percebe é
que somente no exílio o <i>eu </i>de Gabeira pôde enfim se expressar sem
censura, isto é, sem a censura militar, sem a censura de seus camaradas
e sem autocensura. Se no começo do livro o jornalista se limita à
descrição do período político, ao longo da narrativa é mais a agonia
individual que aflora: o <i>eu </i>emerge, sobretudo após a violência da tortura.<br />
Contudo, como a exaltação do <i>eu </i>era um <i>pecado</i> tão grave na guerrilha quanto no catolicismo, é a escrita que permite essa reconstituição de si<i> </i>—
tendo como apoio o olhar ficcional. Quando Gabeira desvela os
bastidores da tortura, revela sutilezas, a exemplo dos relógios sempre
cobertos para apagar nos presos a noção do tempo, ou os diálogos
surreais entre torturados e torturadores.<br />
Eis, portanto, o <i>romance-limite</i> decalcado de uma <i>situação-limite</i>, mesmo que o testemunho seja fundamental. O autor apela à autoficção para dar conta do teor <i>ficcional</i> da situação <i>real</i>.
Mas por que a ficção não é possível em meio a uma situação-limite? E
por que de repente o mero testemunho não é suficiente e a ficção ganha
tanta importância? A escritora francesa Chloé Delaume esboça uma
resposta quando diz (em <i><b>La règle du Je</b></i>): “A autoficção é
uma negociação da dor. (…) Existo hoje em dia porque me impus um
segundo começo. Lá onde a ficção se entremeia à vida, onde o real se
dobra aos contornos da minha fábula”.<br />
<b>Organização via ficção<br />
</b>No ensaio de minha autoria <b>Literatura da urgência — Lima Barreto no domínio da loucura</b> (Annablume), faço uma análise sobre <i>narrativas-limite </i>a partir do estudo de <b>Diário do hospício</b>,
de Lima Barreto. A intenção é justamente circunscrever esse tipo de
escrita contaminada por uma situação-limite — no caso, a internação do
escritor no manicômio. Porém, Lima foi muito além do diário. Ao sair do
hospício, escreveu o romance <b>O cemitério dos vivos</b><i> </i>a partir das anotações no dia-a-dia do asilo, fazendo a passagem da <i>narrativa-limite </i>para o <i>romance-limite</i>.<br />
O que interessa nessa reflexão é a percepção do quanto essa tendência
à exploração de uma experiência traumática na ficção se revela cada vez
mais urgente em escritos contemporâneos. Talvez porque o <i>romance-limite</i> estimule um segundo <i>eu</i>, a ser composto com o primeiro <i>eu</i>, o primordial, em fragmentos. A ficção se mostra premente porque este <i>eu </i>não parece mais eficaz, e o simples depoimento não basta. O estado de emergência parece apagar as fronteiras entre as idéias de <i>verdade</i> e <i>ficção</i>.<br />
A essa altura cabe então lembrar uma discreta obra-prima da literatura brasileira, o romance <b>Quatro-olhos</b><i> </i>(Alfa-Ômega),
publicado em 1976, em plena ditadura. O livro é de Renato Pompeu,
jornalista preso pelo regime militar e depois internado numa clínica
psiquiátrica devido a delírios agravados pelo trauma. A ficção<i> </i>parte dessa experiência do autor.<br />
O protagonista do romance é um funcionário casado com uma militante
de esquerda que leva uma vida medíocre, distanciado do próprio
cotidiano, num espaço meio suspenso entre realidade e ficção. Nesse
caso, essa ficção tem também um lado bastante <i>real</i>, já que se
trata de um livro onde o personagem não pára de escrever. O que importa
na narrativa é a obsessão por esse livro que ele já havia escrito e, uma
vez perdido, tenta reescrever.<br />
Ao longo de um processo obsessivo de reescrita, o real e o delírio se
entrelaçam de forma brilhante. A distinção entre os personagens <i>concretos </i>e <i>imaginários</i>
não tem a menor importância e, no entanto, a fronteira é bem visível. É
como se o autor, sabedor dos limites entre o cotidiano e a própria
loucura, decidisse simplesmente transgredi-los. O romance não tem nada
de confissão nem de testemunho, e mesmo assim se sentem os espectros da
ditadura: a repressão, a violência e toda a loucura do autoritarismo.<br />
Para vários escritores, o exercício da ficção associado a
experiências íntimas se estabeleceu como a grande solução. Num trecho de
<b>Quatro-olhos</b>, por exemplo, o protagonista diz: “Pouco a pouco eu
só existia no momento em que escrevia meu livro”. E eis que a
existência só é possível graças à escrita, que reúne os fragmentos de um
<i>eu </i>ainda mais estilhaçado na psicose. Renato Pompeu nunca
escondeu sua esquizofrenia e chegou mesmo a teorizar sobre o assunto no
lúcido ensaio <i>Memórias da loucura</i>, onde afirma: “Comecei a
perceber (…) que havia coisas que não mudavam nunca e coisas que mudavam
pouco, que podiam me dar segurança. Uma coisa que, por exemplo, não
mudava nunca era o texto (…). Por mais que você lesse, estava sempre
escrito a mesma coisa. Agarrei-me, portanto, ao texto escrito (…).
Simplesmente aproveito meus delírios escrevendo livros, argumentos de
filmes, etc.”.<br />
<b>Rótulo em expansão<br />
</b>Nada mais inútil do que tentar estabelecer uma linha evolutiva da
autoficção na história da literatura brasileira, como se o neologismo
tivesse efeito retroativo. Mas uma constatação é certa: o <i>eu </i>não
só se insinua, mas se infiltra e se afirma, por vezes se excede, cada
vez mais, ano a ano, especialmente a partir da década de 1990. O que
dizer, por exemplo, de Miguel Sanches Neto e seu <b>Chove sobre minha infância</b><i> </i>(Record), um misto de ficção e autobiografia?<br />
E o estrondoso sucesso <b>Cidade de Deus</b><i> </i>(Companhia das Letras), de Paulo Lins, escritor que<i> </i>converteu
seu cotidiano numa comunidade do Rio de Janeiro em romance-documento?
Lins sempre se preocupou em se descolar, ele, o autor, do personagem
principal, proclamando a Cidade de Deus a protagonista do livro. E essa
ambigüidade enriquece a narrativa: após uma experiência longa numa
rotina de violência, o autor se fragmenta em vários personagens de onde
emerge uma espécie de <i>eu-comunidade</i>, isto é, um <i>eu </i>quase coletivo submetido à geografia político-social.<br />
E nesse cenário nacional tão heterogêneo em narrativas
auto-referentes, algumas contribuições se originariam também no virtual
universo dos <i>blogs</i>. Clara Averbuck (<b>Máquina de pinball</b>, Conrad) e Fal Azevedo (<b>Minúsculos assassinatos e alguns copos de leite</b>, Rocco), por exemplo, surgiram na internet com <i>posts </i>auto-centrados que, bem-sucedidos e populares, acabaram migrando para a literatura.<br />
Entre tantas, difusas, referências, entretanto, o grande marco foi,
sem dúvida, o gesto de Silviano Santiago em 2005, ao apresentar seu
livro de contos <b>Histórias mal contadas</b> (Rocco) como <i>autoficção</i>.
Embora vários escritores já se aproximassem da vertente, o termo não
era reivindicado, sendo até hoje pouco assumido. O autor em questão, tão
conhecido pela sólida carreira de professor e teórico da literatura, um
dia ouviu a palavra mágica e decidiu aplicá-la à sua ficção. Segundo
ele, é como se o neologismo arrematasse variadas questões inscritas em
seu projeto ficcional desde <b>Em liberdade</b> (Rocco), publicado no início dos anos 1980.<br />
Nos anos seguintes outros dois autores também se apropriaram do termo
ao criar e refletir sobre seus romances: Tatiana Salem Levy, em 2007,
com <b>A chave da casa</b> (Record) e Evando Nascimento, em 2008, com <b>Retrato desnatural</b>
(Record). Assim como Silviano, Tatiana e Evando têm uma relação
consolidada com práticas acadêmicas (ela é doutora em literatura e ele,
professor de letras e ensaísta), ou seja, o domínio da teoria lhes era
íntimo. Mesmo assim, nenhum dos três autores assume inteiramente o
homonimato entre autor, narrador e personagem exigido pelo inventor da
autoficção. Os protagonistas não perpetuam seus nomes, e apenas Silviano
chega a insinuar sua identidade num conto.<br />
Esse homonimato surgiria aos poucos na literatura brasileira
contemporânea, letra por letra. Um exemplo: em 2010, Gustavo Bernardo
deixou sua inicial G. no personagem de <b>O gosto do apfelstrudel</b><i> </i>(Escrita
Fina), romance em torno da agonia de seu pai em coma. Foi quase uma
identidade onomástica, mas ainda abreviada, com certo pudor. No mesmo
ano, José Castello deu ao personagem do romance <b>Ribamar</b> (Record)
todas as letras de seu nome. Trata-se da história de um filho, José, que
retorna à cidade da infância do pai em busca de sua genealogia. Esse
homem, já morto, é Ribamar, pai do escritor. Castello lançou o livro
como ficção, sem se limitar à autobiografia.<br />
Por coincidência, <b>Ribamar</b><i> </i>se encaixa com perfeição em
vários critérios de Doubrovsky na definição da autoficção ao empreender,
por exemplo, “uma reconfiguração do tempo linear”, entremeando
referências a Kafka, reflexões íntimas no presente e reminiscências da
infância. Nota-se também uma grande preocupação formal, bem como uma
pulsão de “se revelar em sua verdade” (outra máxima de Doubrovsky), tão
forte na narrativa que chegou a provocar problemas na família do autor:
segundo Castello, alguns de seus parentes o leram como um
“livro-vingança”, enquanto para ele não passou de um “ato de amor”.<br />
Nessa “aventura da linguagem” que é a autoficção, segundo Doubrovsky,
Castello em nenhum momento reclama para o livro a etiqueta. Pelo
contrário, em artigos sobre o tema parece desconfiar do termo — e com
razão. Autoficção é, para ele, numa “definição possível” (publicada no
artigo <i>Na fronteira da memória</i>, jornal <i>Valor</i>), quando “a verdade e a imaginação expõem, de modo gritante, sua condição inseparável”.<br />
Uma questão fundamental então se impõe: deve-se aplicar o rótulo <i>autoficção </i>a
textos de autores que não os apresentam assim? Talvez devido à fluidez
do conceito percebe-se o desconforto de autores em etiquetar suas obras.
Ou talvez seja simplesmente contemporânea essa recusa de escritores a
rótulos, deixando para trás, em séculos passados, o engajamento em
escolas e movimentos coletivos.<br />
<b>Nome e sobrenome<br />
</b>Para quem olha de fora, sob um viés crítico, entretanto, é cada vez
maior o número de romancistas flertando com o fenômeno. Outras pistas se
destacam nesse labirinto de teorias escorregadias: <b>Capão pecado</b> (Objetiva), de Ferréz; <b>Diário da queda </b>(Companhia das Letras), de Michel Laub; e <b>Procura do romance</b>
(Record), de Julián Fuks. Esses três romances, por exemplo, deixam
entrever temas autoficcionais embora os protagonistas sejam anônimos ou
tragam outros nomes. E apontam para o que o escritor francês Philippe
Vilain sugere em relação a seus próprios livros: uma autoficção
a-nominal ou nominalmente indeterminada, ainda assim uma <i>autoficção</i>. Vilain se interessou tanto pelo assunto, do ponto de vista do romancista, que escreveu o ensaio crítico <i>Défense de Narcisse</i> para defender e desmistificar o narcisismo na autoficção.<br />
De toda forma, no Brasil, intencional ou não, a prática autoficcional
é um sucesso de crítica: Silviano Santiago, Tatiana Salem Levy e José
Castello ganharam os prêmios literários mais importantes justamente com
os livros mencionados, e os outros autores citados foram, em sua
maioria, finalistas nas mesmas premiações. Isso sem falar no grande
vencedor de prêmios em 2008, Cristovão Tezza, por <b>O filho eterno</b>
(Record). Embora o romance discorra sobre seu próprio filho nascido com
Síndrome de Down, o que Tezza faz é uma retrospectiva de si mesmo: a
angústia de pai, sua vida de fracassos e a condição do menino como uma
situação-limite que o faz despencar no inferno mais íntimo. Nesse caso, o
que impressiona é o fato de o autor ter projetado o livro<i> </i>como um ensaio, mas, ao escrevê-lo, a ficção acabou se impondo e ele simplesmente a aceitou.<br />
Esse <i>eu </i>explosivo que vem impactando a ficção contemporânea,
se antes apenas se apresentava na primeira pessoa, anônimo, cada vez
mais ousa dizer seu nome. Ainda que não os anunciem como <i>autoficção</i>, autores inscrevem seus nomes em romances das formas mais variadas. Em <b>Todos os cachorros são azuis</b>
(7Letras), por exemplo, Rodrigo de Souza Leão ficcionaliza sua estadia
numa clínica psiquiátrica e assume seu nome na trama, ainda que na
última página. No recém-lançado <b>A invenção do amor</b>, de Jorge
Viveiros de Castro (7Letras), um certo Jorge, citado como “o outro”, “o
verdadeiro”, atravessa as páginas. Já Paulo Scott cria o personagem
Paulo em <b>Habitante irreal</b>, e Ricardo Lísias, além de nomear Ricardo o personagem de <b>O céu dos suicidas</b>, assume publicamente que <b>Divórcio</b> é fruto de sua traumática separação.<br />
Aliás, a respeito de <b>Divórcio</b>, Lísias enunciou (em entrevista à <i>Folha de S. Paulo</i>):
“Meu livro tem um ponto de partida pessoal e traumático e a partir dele
criei um texto de ficção. A literatura não reproduz a realidade, mas
sim cria outra”. E acrescentou: “Na literatura contemporânea universal,
isso é ponto pacífico. Hoje J. M. Coetzee, Michel Houllebecq e E.
Carrère deram outros passos nesse sentido, mostrando que não pode haver
uma confusão entre autor e narrador, mesmo que o narrador tenha o nome
do autor”.<br />
Essa fina dissociação entre autor e narrador-personagem, contudo, nem
sempre é tão precisa para o leitor que lê artigos na imprensa sobre <b>Divórcio</b>
e sabe que Lísias, o escritor, criou o romance a partir da descoberta
do diário de sua mulher, uma jornalista da área cultural, onde ela o
humilha e insulta. O trauma causa o choque e desfia a memória do
protagonista num vaivém de fatos da infância e da adolescência, num
exercício elástico entre autobiografia e ficção.<br />
Ao expor o ponto de partida <i>real</i> da história, Lísias deixa o
domínio do privado para a superexposição pública. Michel Houellebecq, o
autor francês citado por Lísias, também fez essa opção ao escrever <b>Partículas elementares</b> com descrições pouco gentis à mãe. Ela respondeu com outro livro, <i><b>L’innocente</b></i>,
mantendo a troca de farpas recíproca em território literário. Mas a
autoficção na França de vez em quando sai do controle doméstico para os
tribunais, levando parentes de autores a reclamar judicialmente da
invasão de privacidade.<br />
Talvez seja esse tom de acerto de contas conjugal ou familiar um dos
entraves na recepção de certas autoficções e afins. Diante da obsessão
contemporânea pela vida privada de famosos, narrativas autoficcionais
alimentam esse viés do escândalo, atraindo aspectos positivos e
negativos. O vazamento de questões íntimas do autor, apesar de
midiático, corre o risco de prejudicar a leitura do livro como ficção. E
é justamente aí que o neologismo <i>autoficção</i> mais se insinua,
traiçoeiro, assumido ou não, ora libertador ora redutor, mas acima de
tudo como preciosa ferramenta de recuperação — cura? — de um <i>eu </i>partido. <i>Auto + ficção</i> é, no final das contas, uma soma inexata, com resultados infinitos, cada vez mais fugidios.dani langerhttp://www.blogger.com/profile/00378449579306691066noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-6311349724459827869.post-45167059154652094532014-06-11T18:13:00.003-03:002014-06-11T18:15:26.796-03:00Próximo encontro (14/6), História natural da ditaduraNo próximo dia 14, receberemos o professor Vinícius Carneiro que nos apresentará a sua leitura do romance História natural da ditadura, de Teixeira Coelho.<br />
Pensando no encontro, Vinícius mandou um texto-aperitivo para o blog:<br />
<br />
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi_g-eDpQxxnV-rc7KRUHo_y9MMbwmc9Y-8EZ_xjq3GeUeTZ-VqckIJKTc0ccyjs30NsFdVN7bKHnvN1s-1JWOrCK8mLAAQFVFheyHeKr6s-l8PXDeqxEhxj1peupg9Q_wzAlzo7phjuRHE/s1600/Leon-Ferrari-Planet.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi_g-eDpQxxnV-rc7KRUHo_y9MMbwmc9Y-8EZ_xjq3GeUeTZ-VqckIJKTc0ccyjs30NsFdVN7bKHnvN1s-1JWOrCK8mLAAQFVFheyHeKr6s-l8PXDeqxEhxj1peupg9Q_wzAlzo7phjuRHE/s1600/Leon-Ferrari-Planet.jpg" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Léon Ferrari, <i>Planet</i></td></tr>
</tbody></table>
<br />
<br />
<span lang="PT" style="background-image: initial; background-repeat: initial; color: black; text-align: justify;">No texto <i>História natural da ditadura </i>(2006)<i>, </i>de
Teixeira Coelho, desenvolve-se uma narrativa ensaística em que o
narrador reconstitue e problematiza o passado por meio da confecção de
uma memorialística poético-reflexiva. De um capítulo para outro, ele
passa pelos rastros de Walter Benjamin em Portbou, pela obra de Léon
Ferrari durante a ditadura argentina e pelas conversas sobre cinema e
posições polítcas durante a ditadura brasileira. O narrador, ao mesmo
tempo em que perfila referências literárias, pictóricas,
cinematográficas e filosóficas, todas eruditas, enumera fatos históricos
de diferentes épocas, promovendo “uma estética da coincidência” (TEZZA,
2006), conceito que daria sentido a um mundo de fragmentos, rastros e
restos em que a História com “H” maiúsculo seria um paradoxo. Após
passarmos pelos cinco capítulos (também chamados de “livros”), um
movimento interessante é tentar remontar esse puzzle de informações e
reflexões. Deste modo, além de identificar, afinal de contas, quem é que
nos conta essas histórias, podemos desvelar as nuances dos estados de
exceção que o livro aborda, termo que abrange diferentes experiências
humanas em regimes autoritários. </span>dani langerhttp://www.blogger.com/profile/00378449579306691066noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-6311349724459827869.post-86064273706714150322014-05-02T16:59:00.003-03:002014-05-02T17:00:20.793-03:00Uma leitura do contemporâneo<span style="font-family: inherit;">O escritor e mestre em literatura comparada Gustavo Czekster reflete sobre a literatura contemporânea em sua coluna no portal <a href="http://literatortura.com/2014/04/por-uma-literatura-mais-feia/" target="_blank">Literatortura</a>. Segue o texto de Gustavo.</span><br />
<span style="font-family: inherit;">(use a caixa de comentários para dar sua opinião sobre esse e outros posts)</span><br />
<span style="font-family: inherit;"><br /></span>
<br />
<h2>
<span style="font-family: inherit;">Por uma literatura mais feia</span></h2>
<br />
<br />
<div style="background-color: #f7f7f9; box-sizing: border-box; color: #444444; font-family: 'Open Sans', Verdana, Helvetica, sans-serif; font-size: 18px; margin-bottom: 1em;">
<a href="http://literatortura.com/wp-content/uploads/2014/04/Rimel-Neffati.jpg" style="box-sizing: border-box; color: #222222;"><img alt="Rimel Neffati" class="size-medium wp-image-16505 aligncenter" src="http://literatortura.com/wp-content/uploads/2014/04/Rimel-Neffati-300x300.jpg" height="300" style="border: none; box-sizing: border-box; height: auto; max-width: 650px;" width="300" /></a></div>
<div style="background-color: #f7f7f9; box-sizing: border-box; font-size: 18px; margin-bottom: 1em;">
<span style="font-family: inherit;">Por ossos do ofício, estou lendo muita literatura contemporânea. Não tem sido uma experiência agradável. Quanto mais leio a produção atual, mais retorno aos clássicos. Sinto saudade quase física de ler uma obra que não esteja submetida às normas das políticas editoriais e do lucro fácil. Vontade de ler literatura, e não livros.</span></div>
<div style="background-color: #f7f7f9; box-sizing: border-box; font-size: 18px; margin-bottom: 1em;">
<span style="font-family: inherit;">Estou cansado de livros bonitos. Sim, é sério. Livros com capas lindas, com editorações fantásticas, com letras e recursos gráficos que são dignos de figurarem em galerias de arte. Em alguns momentos, os recursos são tão fantásticos que chego a me desconcentrar da história. E se existe algo trágico que aprendi é que, quanto mais bonito o livro, mais frágil e inconstante é a sua trama. Se eu quisesse ver uma escultura ou uma pintura, iria a um museu, e não compraria um livro, mas respeito quem mata dois coelhos com uma única cajadada estética.</span></div>
<div style="background-color: #f7f7f9; box-sizing: border-box; font-size: 18px; margin-bottom: 1em;">
<span style="font-family: inherit;">Se a beleza se limitasse às produções gráficas, seria algo possível de se sobreviver. Sei que as editoras precisam atrair leitores, e fazer capas maravilhosas é parte desta sedução. Não sou tão ingênuo a ponto de achar que a literatura se sustenta sem o mercado e suas tarefas árduas de fascinar e encantar consumidores.</span></div>
<div style="background-color: #f7f7f9; box-sizing: border-box; font-size: 18px; margin-bottom: 1em;">
<span style="font-family: inherit;">O que me causa desconforto é que os livros também possuem conteúdos lindos: as histórias são perfeitas, milimetricamente corrigidas e irretocáveis. Quem sabe técnica literária ou teoria consegue ver com clareza as escolhas narrativas do autor, o motivo da personagem principal ser uma criança ou um rapaz da classe média, a razão do tempo da narrativa ser no presente ou no futuro, a escolha do cenário urbano ou rural. São livros que não mexem com o leitor e o respeitam, talvez até demais. Ler também é ser desafiado pelo autor e pela visão do mundo que ele descreve, e os livros atuais evitam confrontar o leitor, como se ele fosse feito de cristal. São obras que morrem de medo do público, temendo que ele se desconcentre em alguma linha, em alguma troca de parágrafo, em algum desagrado com o fim abrupto de uma frase.</span></div>
<div style="background-color: #f7f7f9; box-sizing: border-box; font-size: 18px; margin-bottom: 1em;">
<span style="font-family: inherit;">Então chegamos no pior problema de todos. Eu chamo de preguiça autoral, mas pode ser considerado como uma espécie de covardia. Os escritores tecem narrativas burocráticas e sem grandes novidades criativas. Entre contar a história que querem e aquela que o mercado deseja, optam pela segunda alternativa e se acomodam. Suas tramas são perfeitas e edificantes; impossível chegar ao final de um livro sem que alguma lição de vida não encha nossos olhos de lágrimas. Lembrando daquilo que falou sobre catarse e epifania, Aristóteles levantaria para aplaudir de pé, sem sufocar os soluços. As histórias são lindas, e qualquer ser humano se sentiria mais elevado por experimentar sentimentos tão dignos.</span></div>
<div style="background-color: #f7f7f9; box-sizing: border-box; font-size: 18px; margin-bottom: 1em;">
<span style="font-family: inherit;">No entanto, isto não é arte. O que está matando a literatura contemporânea é a beleza. O excesso de beleza transforma o mundo todo em um local anódino e sem sentimentos. De tanto tentar agradar o público com uma overdose estética representada pelo aspecto físico do livro, acrescido de construções técnicas nada ousadas e de tramas superficiais, os livros estão todos iguais e sem alma. Facilmente esquecíveis. São cascas desprovidas de essência, e não existe nada mais irritante do que ler uma história em que se percebe que o autor estava mais preocupado com as susceptibilidades do leitor do que com a sua trama.</span></div>
<div style="background-color: #f7f7f9; box-sizing: border-box; font-size: 18px; margin-bottom: 1em;">
<span style="font-family: inherit;">Nietzsche abordou este tema, quando, discorrendo sobre a arte da alma feia, escreveu: <i style="box-sizing: border-box;">“Traça-se à arte limites muito estreitos, se se exige que nela só se possa exprimir a alma ordenada, moralmente equilibrada. Como nas artes plásticas, assim também na música e na poesia há uma arte da alma feia, ao lado das belas almas; e os efeitos mais poderosos da arte, quebrar as almas, mover as pedras e transformar os animais em homens, talvez tenha sido precisamente essa arte que mais os conseguiu”.</i></span></div>
<div style="background-color: #f7f7f9; box-sizing: border-box; font-size: 18px; margin-bottom: 1em;">
<span style="font-family: inherit;">A literatura não foi feita para ser bonita. A arte necessita do feio, do desagradável, do grotesco, do repugnante, do malfeito. A beleza eleva o espírito, mas a feiura nos fala a verdade. Qualquer um pode escrever um livro lindo, mas poucos conseguem fazer um livro feio e verdadeiro. Talvez por desconhecimento de conceitos básicos, alguns autores buscam o feio da forma mais primária possível, qual seja, tratar de temas revoltantes e de fácil apelo popular, encher as obras de palavrões e descrições chulas de sexo ou distorcer a linguagem com a utilização de termos usados no dia a dia. A simples ideia de usar imagens ou itens feios para fazer uma “arte feia” envolve uma estilização do próprio conceito de beleza e, pior ainda, um viés muito pessoal daquilo que o autor pensa ser feio. Toda vez que leio obras que tentam abordar temas considerados feios me passa a desagradável impressão de que, ao tentar transformar o feio em arte, ele se torna esteticamente apreciável e, por conseguinte, falso como uma nota de três reais.</span></div>
<div style="background-color: #f7f7f9; box-sizing: border-box; font-size: 18px; margin-bottom: 1em;">
<span style="font-family: inherit;">A literatura feia não trata de assuntos feios. É fiel à sua trama e à visão de mundo do autor; ela desconsidera o leitor, quer afundar as mãos na realidade e mostrar a angústia que se esconde atrás da fricção de cada átomo que forma o mundo. Charles Baudelaire é horrível; os poemas dele são detestáveis e, por isto mesmo, inesquecíveis e brilhantes. Choderlos de Lactos escreveu um livro abominável, colocando toda a podridão da alma humana atrás de adjetivos e cenários de extrema beleza. William Faulkner possui uma linguagem irritante, mas, quando a compreensão falha, alguma corda desconhecida no mais fundo do leitor consegue decodificar aquele amontoado de letras e uma sinfonia poderosa surge no meio do deserto.</span></div>
<div style="background-color: #f7f7f9; box-sizing: border-box; font-size: 18px; margin-bottom: 1em;">
<span style="font-family: inherit;">Os escritores (e o mercado) superestimam o leitor, dando-lhe mais importância e carinho do que ele merece. O leitor não sabe o que quer; prova disto é que boa parte das maiores obras de arte só foram reconhecidas depois da morte do seu criador. O autor nunca pode afastar o olho da sua trama, não pode deixar ela escapar, por mais sedutores que sejam os gritos e chamados dos leitores que lhe cercam. A literatura feia é aquela que não dá atenção alguma para o leitor: ela não é César entrando em Roma em triunfo, coroa de louros sobre a cabeça, recebendo aplausos e gritos de júbilo; a verdadeira literatura é o anônimo centurião que, sujo de barro e de sangue dos inimigos, arranca a cabeça do rei adversário com um golpe do gládio e, com este gesto, vence a guerra inteira.</span></div>
dani langerhttp://www.blogger.com/profile/00378449579306691066noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-6311349724459827869.post-38723788874428695232014-04-30T16:54:00.003-03:002014-04-30T16:54:58.483-03:00Entrevista com Beatriz Bracher, autora de AntonioEm preparação para o encontro do dia 10 de maio, quando o Prof. Dr. Antonio Sanseverino apresentará sua leitura do romance Antonio, segue entrevista da autora Beatriz Bracher no Paiol Literário - evento organizado pelo jornal <a href="http://rascunho.gazetadopovo.com.br/beatriz-bracher/" target="_blank">Rascunho</a>.<br />
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<div style="border: 0px; color: #111111; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 12px; line-height: 18px; margin-top: 20px; outline: 0px; padding: 0px 15px 0px 0px; text-align: center; vertical-align: baseline;">
<br /></div>
<div class="wp-caption aligncenter" id="attachment_3942" style="border: 0px; color: #111111; font-family: Georgia, Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: 12px; line-height: 12px; margin: 15px auto 0px; outline: 0px; padding: 0px; position: relative; vertical-align: baseline; width: 285px;">
<a href="http://rascunho.gazetadopovo.com.br/wp-content/uploads/2011/11/Beatriz_Bracher_Paiol_Literario_Matheus-Dias_127-2.jpg" style="border: 0px; color: #97262d; margin: 0px; padding: 0px; text-decoration: none; vertical-align: baseline;"><img alt="" class="size-full wp-image-3942 " height="413" src="http://rascunho.gazetadopovo.com.br/wp-content/uploads/2011/11/Beatriz_Bracher_Paiol_Literario_Matheus-Dias_127-2.jpg" style="border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;" title="Beatriz_Bracher_Paiol_Literario_Matheus Dias_127 (2)" width="275" /></a><div class="wp-caption-text" style="background-color: #ccc7be; border: 0px; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; line-height: 18px; margin-top: 20px; outline: 0px; padding-bottom: 3px !important; padding-left: 3px !important; padding-right: 15px; padding-top: 3px !important; position: absolute; vertical-align: baseline;">
Beatriz Bracher. Foto: Matheus Dias</div>
</div>
<div style="border: 0px; color: #111111; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 12px; line-height: 18px; margin-top: 20px; outline: 0px; padding: 0px 15px 0px 0px; vertical-align: baseline;">
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<div style="border: 0px; color: #111111; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 12px; line-height: 18px; margin-top: 20px; outline: 0px; padding: 0px 15px 0px 0px; vertical-align: baseline;">
<br /></div>
<div style="border: 0px; color: #111111; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 12px; line-height: 18px; margin-top: 20px; outline: 0px; padding: 0px 15px 0px 0px; vertical-align: baseline;">
No dia 19 de outubro, o Paiol Literário — projeto promovido pelo <strong style="border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">Rascunho</strong> em parceria com a Fundação Cultural de Curitiba e o Sesi Paraná — recebeu a escritora Beatriz Bracher. Autora de romances como <strong style="border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">Azul e dura</strong>, <strong style="border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">Não falei</strong> e <strong style="border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">Antonio</strong>, e do livro de contos <strong style="border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">Meu amor</strong>, Beatriz nasceu em São Paulo (SP), em 1961. Formada em Letras, foi editora da revista de literatura e filosofia <em style="border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">34 Letras</em> e uma das fundadoras da Editora 34. Também escreve para o cinema, assinando o argumento do filme <em style="border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">Cronicamente inviável</em> e do roteiro do longa-metragem <em style="border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">Os inquilinos</em>, ambos do diretor Sérgio Bianchi. Na conversa que teve com o escritor e jornalista Luís Henrique Pellanda no Teatro Paiol, em Curitiba, Beatriz Bracher falou sobre sua formação como leitora e a importância de haver trabalhado como editora durante quase uma década, explicou por que julga o conto um gênero “mais elevado” que o romance (embora não prefira um ao outro), analisou a violência contemporânea e a forma como (não) a absorvemos e previu uma longa vida ao livro de papel. Leia abaixo os melhores momentos do bate-papo.</div>
<div style="border: 0px; color: #111111; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 12px; line-height: 18px; margin-top: 20px; outline: 0px; padding: 0px 15px 0px 0px; vertical-align: baseline;">
<strong style="border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">• Desordenar para reorganizar</strong>A arte pode transformar o mundo ou não, como muitas outras coisas, como as idéias e a política. Mas não acho que ela tenha uma proeminência nesse aspecto. Ela pode transformar o mundo simplesmente por fazer parte dele. Ela está aí. Agora, essa crença de que a arte transformaria radicalmente o mundo, que criaria um novo homem, que nos traria uma espécie de iluminação — não acredito nisso. Por que é importante ler? Não sei. Acho que ler um livro é importante para você não estar aqui nem agora. Para você não ser você por um tempo. Para você ser os outros e habitar outros lugares durante o tempo em que estiver lendo. E, quando você voltar ao aqui e ao agora, a você mesmo, voltará com os olhos muito mais aguçados. Eu saio de um livro sempre muito comovida, ou tocada, ou agressiva. Sempre me transformo de alguma maneira. Fala-se muito que temos uma grande afeição ao caos, que o mundo é informe e que a arte daria forma às coisas. Na verdade, temos pânico do caos. Nós não conseguiríamos viver sem alguma ordem na nossa história. E o que a literatura faz é desordenar um pouco isso, mostrar outras maneiras de organizar nossa vida.</div>
<div style="border: 0px; color: #111111; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 12px; line-height: 18px; margin-top: 20px; outline: 0px; padding: 0px 15px 0px 0px; vertical-align: baseline;">
<strong style="border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">• Carga de honestidade</strong>A literatura tem a ver com a solidão. É uma maneira que tenho de estar sozinha. Uma solidão que, de alguma maneira, compartilho com os personagens de um livro e o seu autor. Quer dizer, um livro sempre tem uma carga enorme de honestidade. Nele, você vê todos os personagens por dentro, tanto as suas coisas ruins como as boas. É um excesso de tudo. De amor, de ódio.</div>
<div style="border: 0px; color: #111111; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 12px; line-height: 18px; margin-top: 20px; outline: 0px; padding: 0px 15px 0px 0px; vertical-align: baseline;">
<strong style="border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">• Bicho arisco</strong>Quando eu era pequena, naquela idade em que as crianças começam a ler Monteiro Lobato, com nove, dez anos, eu achava que ler livros era muito chato. Eu lia revistinhas, mas livros não. E teve uma época em que viajei para a Alemanha, numa espécie de intercâmbio. Morei lá uns dois meses, aos 11 anos, com uma família alemã amiga dos meus pais. Como senti muita falta deles, do Brasil e de tudo, me arrumaram um livro em português, <strong style="border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">O</strong><strong style="border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;"> boi aruá</strong>, do Luís Jardim. E isso também teve a ver com a solidão. A primeira experiência forte de leitura, para muitas pessoas, teve a ver com algum momento difícil de suas vidas. Pois naquela hora, eu não só comecei a ler, como uma necessidade, mas comecei também a escrever. Eu escrevia cartas muito longas. Relatos, histórias, coisas assim.</div>
<div style="border: 0px; color: #111111; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 12px; line-height: 18px; margin-top: 20px; outline: 0px; padding: 0px 15px 0px 0px; vertical-align: baseline;">
<strong style="border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">• Histórias com matemática</strong>Sempre gostei muito de contar histórias para os meus primos pequenos. E o gostar de contar histórias veio quase que antes do gostar de ler. Minha mãe sempre me contou muitas histórias, dela e da infância dela. Ela vem de uma família brasileira e libanesa de dez filhos, então sempre teve muitas histórias, e eu adorava ouvi-las. Já meu pai era de uma família suíço-alemã. Quanto às histórias que eu contava, acho que eu as inventava. Não me lembro bem. Quase sempre tinham a ver com algum menino que fugia de casa e levava na mochila três chocolates, não sei quantas balas. Sempre tinha alguma coisa de matemática, não sei por quê. Cinco camisas. Quatro cuecas. Eu gastava muito tempo nessa ordenação. E tudo sempre acabava bem.</div>
<div style="border: 0px; color: #111111; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 12px; line-height: 18px; margin-top: 20px; outline: 0px; padding: 0px 15px 0px 0px; vertical-align: baseline;">
<strong style="border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">• Adoração</strong>Meus pais foram morar em Brasília quando eu tinha 14 anos. Lá, comecei a ler mais, comecei a ler Kafka e Borges, comecei a me interessar por literatura mesmo, e não só por histórias. E aí a literatura, para mim, passou a ser algo para se pensar o mundo. É engraçado: a partir de determinado ponto, passei a adorá-la. Ela me instigava. Abrir um livro novo era uma coisa muito boa. E comecei também a escrever, publiquei um conto na revista <em style="border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">Escrita</em>, aos 15 anos. O Luiz Ruffato, que estava fazendo um artigo grande sobre as revistas literárias da década de 70 <em style="border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">(série publicada no <strong style="border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">Rascunho</strong>)</em>, até encontrou esse meu conto por lá <em style="border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">(na época, Beatriz assinava como Bia Bracher)</em>. E também havia a revista <em style="border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">José</em>, o Suplemento do <em style="border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">Estado de S. Paulo</em>, que era ótimo, e depois o Folhetim, da <em style="border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">Folha</em>. Eu lia isso tudo, eram coisas que me atraíam. E comecei a escrever.</div>
<div style="border: 0px; color: #111111; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 12px; line-height: 18px; margin-top: 20px; outline: 0px; padding: 0px 15px 0px 0px; vertical-align: baseline;">
<strong style="border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">• A coisa mais importante do mundo</strong>Fui mãe muito cedo. Com 18 anos. Acabei o ensino médio e fiquei oito anos só como mãe. Tive três filhos e só depois é que fui entrar na faculdade. Durante esse tempo todo fiquei escrevendo, mas eu tinha muito medo de mostrar minhas coisas. Talvez tivesse muito medo de querer ser escritora. Eu escrevia, mas admitir isso, para mim, era difícil. Fui fazer a faculdade de Letras porque achava que ser escritora era a coisa mais importante do mundo — e talvez por isso mesmo achasse que nunca seria uma escritora. Aí comecei a trabalhar na <em style="border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">34</em> <em style="border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">Letras (revista de literatura da qual foi editora, de 1988 a 1991)</em> e, mais tarde, na editora 34 <em style="border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">(de 1992 a 2000)</em>. Depois, em 2000, com 39 anos, já tinha na cabeça a idéia de que, aos 40, eu estaria fazendo o melhor que podia dar de mim. Então me dei conta de que não era ser editora.</div>
<div class="wp-caption aligncenter" id="attachment_3945" style="border: 0px; color: #111111; font-family: Georgia, Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: 12px; line-height: 12px; margin: 15px auto 0px; outline: 0px; padding: 0px; position: relative; vertical-align: baseline; width: 350px;">
<a href="http://rascunho.gazetadopovo.com.br/wp-content/uploads/2011/11/Beatriz_Bracher_Paiol_Literario_Matheus-Dias_127-1.jpg" style="border: 0px; color: #97262d; margin: 0px; padding: 0px; text-decoration: none; vertical-align: baseline;"><img alt="" class="size-full wp-image-3945" height="227" src="http://rascunho.gazetadopovo.com.br/wp-content/uploads/2011/11/Beatriz_Bracher_Paiol_Literario_Matheus-Dias_127-1.jpg" style="border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;" title="Beatriz_Bracher_Paiol_Literario_Matheus Dias_127 (1)" width="340" /></a><div class="wp-caption-text" style="background-color: #ccc7be; border: 0px; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; line-height: 18px; margin-top: 20px; outline: 0px; padding-bottom: 3px !important; padding-left: 3px !important; padding-right: 15px; padding-top: 3px !important; position: absolute; vertical-align: baseline;">
"Só me senti capaz de escrever contos quando senti que tinha um treino maior, quase muscular, de escrever ficção."</div>
</div>
<div style="border: 0px; color: #111111; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 12px; line-height: 18px; margin-top: 20px; outline: 0px; padding: 0px 15px 0px 0px; vertical-align: baseline;">
<strong style="border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;"><br /></strong></div>
<div style="border: 0px; color: #111111; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 12px; line-height: 18px; margin-top: 20px; outline: 0px; padding: 0px 15px 0px 0px; vertical-align: baseline;">
<strong style="border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;"><br /></strong></div>
<div style="border: 0px; color: #111111; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 12px; line-height: 18px; margin-top: 20px; outline: 0px; padding: 0px 15px 0px 0px; vertical-align: baseline;">
<strong style="border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;"><br /></strong></div>
<div style="border: 0px; color: #111111; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 12px; line-height: 18px; margin-top: 20px; outline: 0px; padding: 0px 15px 0px 0px; vertical-align: baseline;">
<strong style="border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">• Relato e criação</strong>Quando saí da editora 34 e resolvi dar um tempo, também não sabia se era escrever o que eu queria. E propus, a mim mesma, tirar um ano fora e tentar escrever um livro. Evidentemente não consegui escrever um livro em um ano, mas consegui ver que era isso o que eu queria. Gostei muito de me dedicar a escrever. E vi que, quando escrevia para publicar, eu tinha um compromisso com a verdade muito maior do que quando escrevia para a gaveta. O que é curioso, porque, teoricamente, deveríamos ser mais espontâneos em trabalhos que os outros não vão ler. Mas espontaneidade, em relação à escrita, não tem nada a ver com verdade. Quando você é espontâneo — ou social, como aqui —, de alguma maneira você sempre vai falar o lugar-comum, até mesmo para conseguir se comunicar com os outros. Trata-se de um <em style="border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">relato</em> de suas experiências. E, quando você escreve para mostrar, trata-se da <em style="border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">criação</em> de uma experiência. Então, quando falo sobre a verdade, essa verdade não tem relação nenhuma com a realidade. Falo sobre a verdade que um texto será capaz de criar em quem o ler.</div>
<div style="border: 0px; color: #111111; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 12px; line-height: 18px; margin-top: 20px; outline: 0px; padding: 0px 15px 0px 0px; vertical-align: baseline;">
<strong style="border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">• Coragem para escrever</strong>A experiência de ser editora me ajudou muito. Eu recebia muitos originais para ler. Tinha alguns bons. A maior parte era ruim. Algumas pessoas não eram escritoras, eram enroladoras; outras até eram escritoras, mas seus livros não eram bons. É engraçado, é diferente, você sente que ali tem algo forte, mas… Aí pensei: “Poxa, se eu fosse uma dessas pessoas já seria muito legal. Quem disse que serei uma boa escritora? Não sou eu quem vai decidir isso. Tenho que escrever. Tenho que tentar”. Então, aquilo me deu coragem, no sentido de que havia muita gente se arriscando, dando a cara a bater para ser escritor, e no sentido da modéstia também. Você não vai escrever o melhor livro do mundo, mas você pode escrever um livro bacana.</div>
<div style="border: 0px; color: #111111; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 12px; line-height: 18px; margin-top: 20px; outline: 0px; padding: 0px 15px 0px 0px; vertical-align: baseline;">
<strong style="border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">• 50 mil exemplares</strong>Se o país está melhor ou pior, eu não sei. Tenho a impressão de que há mais gente lendo, e isso é muito bom. Sinto que ler já não é uma coisa tão pedante, como era antigamente. Sempre foi um problema muito grande, para quem gosta de ler, ser considerado meio chato. Era como se a gente lesse só para se mostrar, quando, na verdade, ler é um dos maiores divertimentos que existe, uma coisa muito viva, que não tem nada a ver com pedantismo. E na gestão do Fernando Henrique houve uma mudança no sistema de compra de livros pelo governo. Antigamente, o governo só comprava livros da Ática, da Moderna, dessas editoras que produziam para as escolas. Depois, passou a comprar livros de literatura para as bibliotecas das escolas, e se criaram sistemas em que muitas editoras pequenas puderam entrar. Essa política se manteve no governo atual, e ajudou muito as pequenas editoras. Porque, para o governo, você vende 5, 8, 12, 50 mil exemplares do mesmo livro. É claro que você o vende por um preço muito menor, mas é uma entrada de dinheiro muito importante para a sua editora.</div>
<div style="border: 0px; color: #111111; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 12px; line-height: 18px; margin-top: 20px; outline: 0px; padding: 0px 15px 0px 0px; vertical-align: baseline;">
<strong style="border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">• O bonito no romance</strong>O romance é bacana exatamente porque é mais comezinho. Ele dura muito tempo, muitas páginas, e é aquela mesma história, com os mesmos personagens. Por mais burilado que seja, ele sempre tem uma largueza, é mais sujo, não tem muito jeito. Você demora alguns dias para lê-lo. Ou muitas horas. E ele vai te acompanhando. Você não tem como apreendê-lo de uma vez só, e nem o autor tem como escrevê-lo de uma só vez. Então, sempre que um autor está revisando um romance, ele lê 30 páginas e as revisa, e lê outras 30, e as revisa, mas nunca vai conseguir ler e revisar 200 páginas de uma vez. Isso é muito bonito no romance.</div>
<div style="border: 0px; color: #111111; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 12px; line-height: 18px; margin-top: 20px; outline: 0px; padding: 0px 15px 0px 0px; vertical-align: baseline;">
<strong style="border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">• O treino do conto</strong>Às vezes, você lê, inteiro, um conto de 12, 20 ou 30 páginas. Quando o escreve, você começa e já tem a idéia de como será o seu final. Não é só questão de ser sintético. É que no conto acontecem menos coisas, mesmo. O tempo funciona de forma diferente para a ação. Por isso acho o conto mais elevado. É como se ele precisasse de uma eficácia maior. Ele tem que agir, ele tem que ser mais determinado, mais focado. Só me senti capaz de escrever contos quando senti que tinha um treino maior, quase muscular, de escrever ficção.</div>
<div style="border: 0px; color: #111111; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 12px; line-height: 18px; margin-top: 20px; outline: 0px; padding: 0px 15px 0px 0px; vertical-align: baseline;">
<strong style="border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">• Raquetada</strong>Às vezes, você está há dias naquilo de escrever e apagar e, de repente, escreve algo bacana. Talvez um dia depois aquilo já não seja mais bacana, mas naquela hora pareceu ser. Quando isso acontece, me sinto como o Guga <em style="border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">(Kuerten)</em>, quando ele faz aquele seu <em style="border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">(Beatriz faz a mímica de uma raquetada e a acompanha com um grito) </em>“aahnn!”. Porque é um esforço. Há muita coisa física quando estou lendo e escrevendo. É um prazer grande, físico mesmo.</div>
<div style="border: 0px; color: #111111; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 12px; line-height: 18px; margin-top: 20px; outline: 0px; padding: 0px 15px 0px 0px; vertical-align: baseline;">
<strong style="border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">• Bloco de pedra</strong>Todo dia, escrevo das nove da manhã à uma da tarde. Fora de casa. Tenho um escritório. E, quando falo que escrevo, quero dizer que vou ao escritório; às vezes, não consigo escrever nada. Mas, fora as dispersões na internet, tento me policiar ao máximo. Não me permito fazer mais nada. Às vezes, vou ler outras coisas, relacionadas ao que estou escrevendo naquele momento. Leio e fico anotando. (…) Nunca sei onde um romance vai acabar, e mesmo o assunto de um romance: às vezes, começo com um e desenvolvo outro. Escrevo e limpo muito, gasto muito mais tempo limpando o texto do que com a sua primeira escrita. E sinto que sou mais artista quando limpo do que quando escrevo, porque a limpeza é uma reescrita, e aquele texto já está mais fora de mim, já é algo diferente. Escrever é separar um bloco de pedra. E revisar é limpar, é realmente começar a esculpir aquilo que já está determinado. Só vou poder esculpir aquele pedaço de pedra, não tenho mais muitas opções. É como se o trabalho intelectual, que é o forte para que uma história seja boa, só se iniciasse depois de eu haver escrito uma primeira mão. No conto, isso acontece mais rápido. Quando começo o trabalho de revisão de um conto, já tenho o conto inteiro. No romance, vou fazendo o trabalho de limpeza ao longo do livro. Então, ele vai mudando de caminho.</div>
<div style="border: 0px; color: #111111; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 12px; line-height: 18px; margin-top: 20px; outline: 0px; padding: 0px 15px 0px 0px; vertical-align: baseline;">
<strong style="border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">• Cruel</strong>Não sou pessimista. Mas as pessoas acham que as coisas que escrevo são. Não acho. Meus contos e romances são muito cruéis, às vezes. Ou quase sempre. Mas não é uma coisa que eu sinta que sou. Percebo situações de opressão ou de dominação que outras pessoas não percebem. Sei lá. Eu me ofendo com facilidade. Não é que eu seja cruel. Eu sinto o mundo mais cruel do que as outras pessoas.</div>
<div style="border: 0px; color: #111111; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 12px; line-height: 18px; margin-top: 20px; outline: 0px; padding: 0px 15px 0px 0px; vertical-align: baseline;">
<strong style="border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">• O assassinato em si</strong>Vi, na Bienal de São Paulo, um vídeo com a Clarice Lispector. Era a última entrevista que ela deu. E a Clarice, que escreveu um conto muito bonito sobre o Mineirinho, um assaltante que foi morto com 13 tiros, falava o seguinte: “Treze tiros, quando um bastava”. A revolta dela era com os 13 tiros. Na entrevista, ela contava mais ou menos como havia escrito aquele conto, quando o entrevistador perguntou: “Você acha que esse conto, da maneira como você o escreveu, pode alterar a realidade?”. E ela: “Não, não pode alterar nada”. Ela foi muito definitiva. E eu acho <em style="border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">(Beatriz faz uma pausa muito longa)</em>… que talvez possa. Do que é que estou falando naqueles contos <em style="border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">(do livro <strong style="border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">Meu amor</strong>)</em>, sobre esses casos que envolvem principalmente crianças e velhos <em style="border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">(Beatriz se refere a casos com os de Isabella Nardoni e o do menino João Hélio)</em>? Você fica meio sem fôlego ao ver o que o ser humano é capaz de fazer. Como é que pode existir algo tão perverso dentro de você mesmo? E temos um certo prazer em comentar, em acompanhar casos assim. Quer dizer, os meus contos não são apenas uma crítica à mídia. Você também fica querendo ver o <em style="border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">Jornal Nacional</em> para saber o que vai sair sobre o caso Bruno, para saber se ele esquartejou a sua vítima ou não, se ele a deu para os cachorros ou não. Há pessoas como eu que ficam vendo televisão e lendo jornal para saber mais sobre essas coisas, e há também os comentários na padaria, e no táxi. E você vai ficando longe da tragédia que realmente aconteceu. Então, escrever esses contos foi quase como tentar recuperar o assassinato em si mesmo. Um pai que, parece, matou a filha. Os assaltantes que arrastaram o menino. Talvez seja uma coisa de reconstituir o crime no que ele tem de bárbaro.</div>
<div style="border: 0px; color: #111111; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 12px; line-height: 18px; margin-top: 20px; outline: 0px; padding: 0px 15px 0px 0px; vertical-align: baseline;">
<strong style="border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">• A ambição da crônica</strong>Tem o caso daquela menina de 13 anos que ficou presa numa cadeia do Pará junto com vários homens<em style="border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;"> (e que Beatriz aborda em </em>Duas fotografias sobre o natural<em style="border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">)</em>. Aí já não é ficção, é mais uma crônica mesmo. Os outros textos <em style="border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">(do livro <strong style="border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">Meu amor</strong>)</em> são de ficção porque mostram como os personagens vivem aqueles crimes. Não são <em style="border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">sobre os crimes</em>. E aí, na medida em que o texto é uma crônica, na medida em que ele tem a ver com jornalismo e tem um compromisso com a realidade, eu esperaria que ele pudesse mudar mais as coisas. Porque a arte muda a realidade de uma maneira diferente — se é que muda. E o jornalismo, a crônica, tem uma ambição mais imediata sobre o que está acontecendo. São duas expectativas diferentes.</div>
<div style="border: 0px; color: #111111; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 12px; line-height: 18px; margin-top: 20px; outline: 0px; padding: 0px 15px 0px 0px; vertical-align: baseline;">
<strong style="border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">• Bracher & Bueno</strong>Nunca fui amiga do Wilson Bueno<em style="border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;"> (1949-2010)</em>, nunca o conheci muito bem, mas, quando eu fazia a revista <em style="border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">34 Letras</em>, ele, que editava o <em style="border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">Nicolau</em>, me ligou e pediu uma resenha sobre o <strong style="border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">Macunaíma</strong>. Daí, entre nós, houve uma troca de telefonemas e correspondências a respeito. Depois disso, às vezes, a gente ainda se falava, e um dia ele me contou uma história engraçada. Quando ele mandou para a editora 34 o seu romance <strong style="border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">Meu tio Roseno, a cavalo</strong>, eu li e amei aquele livro. Fizemos uma reunião entre os editores, todos decidimos publicá-lo e todo mundo ficou muito feliz. Teve só um negócio: a gente pediu uma orelha para o Benedito Nunes, que demorou muito para entregá-la — mas, pelo Benedito, valia a pena esperar o tempo que fosse, e o texto ficou incrível. Só que o Wilson dizia que a história não havia sido essa. Eu escrevera uma carta para ele falando que tinha adorado o seu livro, fazendo comentários bem minuciosos sobre todas as partes da obra, mas dizendo que, infelizmente, tínhamos muitos livros para aquele ano e para o outro, e que não poderíamos editá-lo. Enfim, eu dizia que não editaríamos o livro, mas que o tinha adorado e, na narração do Wilson, ele ainda estava com a carta na mão quando o telefone tocou, ele atendeu e era eu, eufórica, dizendo que tudo tinha mudado, e que a gente tinha dado um jeito, e que íamos publicar o livro, e logo! Acredito que deva ter acontecido isso mesmo. Se ele contou… <em style="border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">(risos)</em> Mas apaguei isso da minha cabeça.</div>
<div class="wp-caption aligncenter" id="attachment_3948" style="border: 0px; color: #111111; font-family: Georgia, Arial, Helvetica, sans-serif; font-size: 12px; line-height: 12px; margin: 15px auto 0px; outline: 0px; padding: 0px; position: relative; vertical-align: baseline; width: 350px;">
<a href="http://rascunho.gazetadopovo.com.br/wp-content/uploads/2011/11/Beatriz_Bracher_Paiol_Literario_Matheus-Dias_127-4.jpg" style="border: 0px; color: #97262d; margin: 0px; padding: 0px; text-decoration: none; vertical-align: baseline;"><img alt="" class="size-full wp-image-3948" height="227" src="http://rascunho.gazetadopovo.com.br/wp-content/uploads/2011/11/Beatriz_Bracher_Paiol_Literario_Matheus-Dias_127-4.jpg" style="border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;" title="Beatriz_Bracher_Paiol_Literario_Matheus Dias_127 (4)" width="340" /></a><div class="wp-caption-text" style="background-color: #ccc7be; border: 0px; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; line-height: 18px; margin-top: 20px; outline: 0px; padding-bottom: 3px !important; padding-left: 3px !important; padding-right: 15px; padding-top: 3px !important; position: absolute; vertical-align: baseline;">
"Ler um livro é importante para você não estar aqui nem agora. Para você não ser você por um tempo."</div>
</div>
<div style="border: 0px; color: #111111; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 12px; line-height: 18px; margin-top: 20px; outline: 0px; padding: 0px 15px 0px 0px; vertical-align: baseline;">
<strong style="border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;"><br /></strong></div>
<div style="border: 0px; color: #111111; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 12px; line-height: 18px; margin-top: 20px; outline: 0px; padding: 0px 15px 0px 0px; vertical-align: baseline;">
<strong style="border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;"><br /></strong></div>
<div style="border: 0px; color: #111111; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 12px; line-height: 18px; margin-top: 20px; outline: 0px; padding: 0px 15px 0px 0px; vertical-align: baseline;">
<strong style="border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">• Editora culpada</strong>Há um livro, não sei o nome do autor, que não me sai da cabeça, mais do que os livros que publicamos na 34. Era de um autor do Paraná, e se passava na cidade de Maringá, se não me engano. Não me lembro da história inteira, mas sei que havia muitas cenas ao longo de um rio, e que as pessoas estavam ocupando aquele território, começando a sua colonização. Tinha um episódio sobre um time de veteranos do qual o Garrincha fazia parte e que ia jogar com o time da cidade. Como o Garrincha já estava muito alquebrado, o beque do outro time, chocado com aquilo, começava a facilitar a vida para ele, mas o Garrincha ficava superbravo com o menino e dava um esculacho nele. É uma cena que me arrepia ainda agora. Era muito bem escrita, muito bacana. E, no final da história, lembro que ainda havia uns discos voadores. Era um livro que se passava em muitos lugares, e acho que devia ser muito bom para eu não me esquecer dele. Mas o fato é que achei que não era bom. Era um bom escritor, era uma boa história, mas era como se não estivesse pronta. E escrevi uma longa carta ao autor, dizendo o que eu achava que devia ser mudado. Alguns meses depois, recebi o livro de volta. O autor tinha realmente alterado algumas coisas, e não lembro, agora, se achei que ainda não estava bom, ou se os outros três editores é que não gostaram. Só sei que a gente não editou o livro, e senti muita culpa por causa disso. Aquele autor havia trabalhado em cima das minhas orientações. (…) Depois que aconteceu isso, eu respondia aos autores falando apenas “Nós não vamos editar o seu livro”. E só sugeria mudanças quando nós íamos editar o livro de qualquer maneira. Porque aquela foi uma experiência muito ruim para mim. E, para o autor, pior ainda. Provavelmente aquele livro, de primeira, já podia ter sido editado, porque era bom. Isto é o duro de ser editor: está na sua mão. Esse cara poderia ter uma carreira de escritor, poderia ter outros livros, e por causa do que aconteceu, pode ter se desviado, desistido, desanimado. Então, eu ouço muito os editores, é bom trabalhar com eles, mas quando você tem certeza de que a palavra final vai ser sua.</div>
<div style="border: 0px; color: #111111; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 12px; line-height: 18px; margin-top: 20px; outline: 0px; padding: 0px 15px 0px 0px; vertical-align: baseline;">
<strong style="border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">• Outra coisa</strong>Tecnicamente, não sei muito bem como vai ser. Sempre haverá o livro de papel. Acontece que o livro de papel é muito mais caro que o eletrônico. E, se você tiver que diminuir a tiragem do livro de papel, pois muita gente passará a comprar o eletrônico, o de papel vai ficar cada vez mais caro. As tiragens serão menores e o preço unitário será maior. O livro de papel passará a ser um fetiche. Tenho a impressão de que não estarei mais aqui quando chegar essa hora, acho que o processo será realmente lento. Gosto muito de <em style="border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">ter</em> livros, é a coisa da posse, o <em style="border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">meu</em> livro. Não gosto de emprestar dos outros, e nem de emprestar os meus. No meu livro eu mexo, o meu livro eu quebro, escrevo em cima dele. Agora, não acho que o suporte altere o texto ou a leitura. Principalmente essa tela opaca, que alguns amigos meus (eu nunca li) dizem que é confortável. Dizem que é gostoso ler nela. Então, não acho que vá ser uma grande revolução — só quando tivermos livros interativos, livros que poderemos “prolongar” para outros lugares, por outros caminhos. Mas daí o livro será outra coisa, e não a literatura que a gente conhece hoje.</div>
<div style="border: 0px; color: #111111; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 12px; line-height: 18px; margin-top: 20px; outline: 0px; padding: 0px 15px 0px 0px; vertical-align: baseline;">
<strong style="border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">• Além do suporte</strong>Um texto de Shakespeare em papel-jornal ou papel cuchê, numa edição tal ou qual, é um texto de Shakespeare. É aquilo. Está além do seu suporte.</div>
<div style="border: 0px; color: #111111; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 12px; line-height: 18px; margin-top: 20px; outline: 0px; padding: 0px 15px 0px 0px; vertical-align: baseline;">
<strong style="border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">• Um crime</strong>Hoje em dia, o número de brasileiros que têm acesso ao computador é enorme. A internet aumentou o nível de leitura das pessoas porque, diferentemente da televisão, muito de seu conteúdo é feito de letras. Tem muita imagem, mas você lê muito. E também escreve. No Twitter, no seu blog, em seus e-mails. Dei aula numa escola de jovens e adultos na periferia e, quando queria que as pessoas lessem um conto da Clarice Lispector, era só entrar na internet e imprimi-lo. É pirataria. Você não está pagando direito autoral para ninguém, temos que achar uma solução para o problema, claro, mas é um crime não aproveitar isso. Você dá uma dica muito pequenininha para os adolescentes e, de repente, eles já estão lendo Goethe e Camões. E são pessoas que não têm um livro em casa. Isso é de uma beleza — o que a internet está possibilitando de difusão da literatura.</div>
<div style="border: 0px; color: #111111; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 12px; line-height: 18px; margin-top: 20px; outline: 0px; padding: 0px 15px 0px 0px; vertical-align: baseline;">
<strong style="border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">• A persona e a obra</strong>Da primeira vez em que fui chamada para falar em público <em style="border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">(na Flip de 2005)</em>, fiquei muito aflita. A persona do autor é difícil. Isso aqui não é algo que estou inventando. Apesar de eu saber que, se a gente for sair agora, tomar um café ou uma cerveja, serei diferente do que estou sendo aqui, e talvez eu vá ser menos honesta do que estou sendo aqui. Porque, de alguma maneira, este é um momento especial, no sentido de que estamos aqui especificamente para vocês me ouvirem, para eu falar sobre o meu trabalho. Não é uma conversa. É um momento que se criou para algo bastante específico. Estou falando aqui porque é essa a idéia deste momento e deste lugar. Só que não tenho a capacidade de rever o que estou falando. Não tem revisão, não posso limpar. Então dá bastante medo, ainda mais que o que digo sairá escrito depois. É pior ainda. E tem coisas que falei aqui e que já falei antes. É esquisito ouvir-se de novo falando essas coisas, parece que elas vão perdendo a sua verdade. Apesar de não perderem. São coisas que aconteceram. Mas eu gosto disso. Tem coisas que eu só penso porque me perguntam. Eu gosto de discutir literatura, e este é o momento bom de discutir. E, se tenho que discutir a minha, isso me obriga a pensar mais. Também descobri que gosto de ver autores falando. Na Flip, eu achava que isso era meio que um fetiche, mas descobri que, ao ver um autor falando, principalmente se você já o leu, você o entende melhor. Apesar de ser muito perigoso tentar ler um livro com a chave da vida do autor — e isso está ficando muito recorrente. Há artigos sobre um autor, entrevistas com um autor, mas cada vez menos resenhas ou discussões sobre seus livros. Milton Hatoum, por exemplo, um superescritor, dá muito poucas entrevistas. Então você vê poucos comentários sobre os livros dele, a não ser quando esses livros saem. Acho isso um perigo. A persona do autor será necessariamente menos interessante que a sua obra.</div>
<div style="border: 0px; color: #111111; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 12px; line-height: 18px; margin-top: 20px; outline: 0px; padding: 0px 15px 0px 0px; vertical-align: baseline;">
<em style="border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">O texto abaixo foi enviado por Beatriz Bracher ao <strong style="border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">Rascunho</strong> via e-mail, um dia depois de nosso encontro no Paiol Literário.</em></div>
<div style="border: 0px; color: #111111; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 12px; line-height: 18px; margin-top: 20px; outline: 0px; padding: 0px 15px 0px 0px; vertical-align: baseline;">
<strong style="border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">P. S.: Por que é importante ler?</strong>No nono e último círculo do <em style="border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">Inferno</em>, da <strong style="border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">Divina Comédia</strong>, estão os traidores de seus hóspedes. Dante conta que eles estão perpetuamente imersos no gelo apenas com a cabeça de fora e os rostos voltados para cima, impedidos de continuarem a chorar, pois as lágrimas do “primeiro pranto, qual viseira de cristal”, congelam-se depois de inundar “do olho a cava inteira”. Fiquei pensando se a literatura também não é a possibilidade de abaixar o rosto e chorar de olhos fechados. Desprender-se de uma só dor e poder chorar, inclusive, a dor de muitos outros.</div>
<div style="border: 0px; color: #111111; font-family: Georgia, 'Times New Roman', Times, serif; font-size: 12px; line-height: 18px; margin-top: 20px; outline: 0px; padding: 0px 15px 0px 0px; vertical-align: baseline;">
<em style="border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;"><strong style="border: 0px; margin: 0px; outline: 0px; padding: 0px; vertical-align: baseline;">Edição: Luís Henrique Pellanda</strong></em></div>
dani langerhttp://www.blogger.com/profile/00378449579306691066noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6311349724459827869.post-81027764942916156462014-04-04T13:40:00.002-03:002014-04-04T13:41:27.402-03:00Ricardo Lísias, uma entrevista sobre Divórcio<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh1G32aFPmpmWUapd66CO60iZIExYO1sgCGAkV9_YVNfRcPKDXDH9U7bzns2WqJCyMcGYUrN89PB5Kb94e7i-_kOzMeWEmabaSADJXEMRZPvV1QuNY5y1GhKd-UPOnNGcoVLjIWayYwvo-0/s1600/13214683.jpeg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh1G32aFPmpmWUapd66CO60iZIExYO1sgCGAkV9_YVNfRcPKDXDH9U7bzns2WqJCyMcGYUrN89PB5Kb94e7i-_kOzMeWEmabaSADJXEMRZPvV1QuNY5y1GhKd-UPOnNGcoVLjIWayYwvo-0/s1600/13214683.jpeg" height="245" width="400" /></a></div>
<br />
<br />
A <a href="http://www.revistabrasileiros.com.br/" target="_blank">Revista Brasileiros</a> publicou uma entrevista com Ricardo Lísias em setembro de 2013. As reflexões de Lísias tanto sobre <i>Divórcio</i>, quanto sobre as questões da literatura brasileira contemporâneas podem ser lidas <a href="http://www.revistabrasileiros.com.br/2013/09/19/a-verdadeira-historia-ficticia-de-um-escritor-chamado-ricardo-lisias/#.Uz7e6qhdUrU" target="_blank">clicando aqui</a>.<br />
<br />
Abaixo, o início da matéria.<br />
<br />
<div style="background-color: white; box-sizing: border-box; color: #333333; font-family: Helvetica, Arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 21px; margin-bottom: 1em; margin-top: 1em;">
Existe o escritor Ricardo Lísias, corintiano (por causa da democracia de Sócrates e Vladimir), ex-morador de Itaquera e autor festejado de seis livros, e há o personagem Ricardo Lísias, protagonista de dois deles, <i style="box-sizing: border-box; margin-top: 0px;">O Céu dos Suicidas</i> e o recente <i style="box-sizing: border-box; margin-top: 0px;">Divórcio</i>, ambos pela Alfaguara, além do novo, que está sendo escrito (na página ao lado há uma amostra da sua produção atual, feita no dia da entrevista). Coincidências biográficas os unem, assim como as polêmicas suscitadas por esses romances, livremente baseados em fatos reais.<i style="box-sizing: border-box; margin-top: 0px;"></i></div>
<div style="background-color: white; box-sizing: border-box; color: #333333; font-family: Helvetica, Arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 21px; margin-bottom: 1em; margin-top: 1em;">
<i style="box-sizing: border-box; margin-top: 0px;">Divórcio</i>, especialmente, dividiu os leitores e, independentemente dos méritos literários, causou mal-estar entre alguns jornalistas e escritores, que teriam reconhecido as pessoas envolvidas na trama, uma história de separação com vários elementos constrangedores. Mas não só por isso: o livro também é um ataque à grande imprensa e à comercialização da cultura.</div>
<div style="background-color: white; box-sizing: border-box; color: #333333; font-family: Helvetica, Arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 21px; margin-bottom: 1em; margin-top: 1em;">
A prosa, clara, rigorosa, espelha a simplicidade aparente do enredo: Ricardo Lísias, o personagem – também escritor –, descobre o diário da jornalista com quem está casado há quatro meses e o lê. O conteúdo mostra que, além de infiel, sua mulher o despreza profundamente. Desnorteado, abandona o apartamento em que moravam e tenta se recompor.</div>
<div style="background-color: white; box-sizing: border-box; color: #333333; font-family: Helvetica, Arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 21px; margin-bottom: 1em; margin-top: 1em;">
A partir daí, o leitor se depara com vários trechos do diário, que o autor/personagem vai lançando estrategicamente em meio à narrativa. O efeito é devastador. A mulher que emerge das confissões é fria e ambiciosa, a ponto de atropelar a ética quando lhe convém. Seu diário era o depositário de um lado insensível que ela não consegue controlar, como dirá mais adiante, ao tentar uma reconciliação.</div>
<a href="http://www.revistabrasileiros.com.br/wp-content/uploads/2013/09/lisias-aspa1.jpg" style="-webkit-tap-highlight-color: rgba(0, 0, 0, 0.298039); background-color: white; box-sizing: border-box; color: #ffb400; font-family: Helvetica, Arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 21px; margin-top: 0px; text-decoration: none;"><img alt="" class="alignright size-full wp-image-68375" src="http://www.revistabrasileiros.com.br/wp-content/uploads/2013/09/lisias-aspa1.jpg" height="226" style="border: 0px; box-sizing: border-box; float: right; height: auto; margin: 0px 0px 1.5em; max-width: 100%;" title="lisias-aspa1" width="269" /></a><span style="background-color: white; color: #333333; font-family: Helvetica, Arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 21px;"></span><br />
<div style="background-color: white; box-sizing: border-box; color: #333333; font-family: Helvetica, Arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 21px; margin-bottom: 1em; margin-top: 1em;">
O livro é bom. Mais que isso, é ótimo, principalmente quando aponta, com lucidez, as fissuras éticas na grande imprensa e em eventos culturais como o Festival de Cannes. Mas deixa sérias dúvidas quanto a sua legitimidade. Não foram poucos os que viram no romance uma vingança. De fato, a vida da ex-mulher de Lísias, uma conhecida jornalista de cultura, teria sido bastante prejudicada e muitos de seus amigos e conhecidos estariam indignados.</div>
<div style="background-color: white; box-sizing: border-box; color: #333333; font-family: Helvetica, Arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 21px; margin-bottom: 1em; margin-top: 1em;">
Se o personagem Ricardo Lísias sofre o diabo com a humilhação, o premiado escritor, presente na seleção de jovens autores brasileiros feita pela revista <i style="box-sizing: border-box; margin-top: 0px;">Granta</i>, passa a impressão de ter superado bem o trauma que lhe deu a centelha para por o livro em movimento. Aparentemente indiferente ao clamor (restrito a um meio, ele insiste) que o acusa de mau-caratismo, defende a autonomia estética do romance e afirma que nada ali é real de fato (ainda que o narrador diga enfaticamente o contrário). E vai mais longe, ao dizer que seu objetivo era mesmo prejudicar as pessoas, no sentido de causar desconforto, provocar o leitor, tirar a literatura do marasmo.</div>
<div style="background-color: white; box-sizing: border-box; color: #333333; font-family: Helvetica, Arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 21px; margin-bottom: 1em; margin-top: 1em;">
Na entrevista a seguir, feita na redação da Brasileiros, Lísias, que também é professor de inglês e português (fez mestrado na Unicamp e na USP), e dá cursos de Literatura Contemporânea, explica melhor toda a celeuma e fala de seu meticuloso processo de trabalho. Também comenta o estado atual da imprensa e da literatura e conta de sua participação nas recentes manifestações de rua.</div>
<div style="background-color: white; box-sizing: border-box; color: #333333; font-family: Helvetica, Arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 21px; margin-bottom: 1em; margin-top: 1em;">
<b style="box-sizing: border-box; margin-top: 0px;">Brasileiros –</b> Em Divórcio, há momentos em que o narrador diz que é tudo uma ficção e em outros que é tudo real. Qual versão acreditar?</div>
<div style="background-color: white; box-sizing: border-box; color: #333333; font-family: Helvetica, Arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 21px; margin-bottom: 1em; margin-top: 1em;">
<b style="box-sizing: border-box; margin-top: 0px;">Ricardo – </b>O livro pretende discutir questões de narrador. No Brasil, as pessoas leem a literatura ainda com os padrões do realismo, e isso causa um problema técnico em relação ao narrador. O narrador modernista é totalmente diferente, é um narrador que se coloca muito em jogo, e as pessoas não percebem isso, confundem o narrador com o autor, como se fosse possível o autor falar. Isso não existe, só fala o narrador num romance. Mesmo que eu coloque o meu nome, mesmo que eu coloque a minha foto pelado, não sou eu, é uma foto, e isso, tirando um grupo de leitores, as pessoas não entendem perdem o mais importante, que é o aspecto artístico. O modernismo não pegou como conceito. Um professor da USP que é diretor da Biblioteca Mário de Andrade me disse uma coisa curiosa, que é a seguinte: “Quando o modernismo chegou ao Brasil, a indústria editorial era ínfima, ao contrário da França e Inglaterra, por exemplo”. Então, os próprios textos modernistas ficaram fechados em um circuito muito pequeno. Quando a indústria editorial cresce muito, de novo está em voga o romance comercial, que tem natureza realista mais vulgarizada, e que ainda se impõe no Brasil. Esse é o cerne do meu romance. Até agora as pessoas estão tentando saber quem é quem.<b style="box-sizing: border-box; margin-top: 0px;"><a href="http://www.revistabrasileiros.com.br/wp-content/uploads/2013/09/lisias-aspa2.jpg" style="-webkit-tap-highlight-color: rgba(0, 0, 0, 0.298039); box-sizing: border-box; color: #ffb400; margin-top: 0px; text-decoration: none;"><img alt="" class="aligncenter size-full wp-image-68374" src="http://www.revistabrasileiros.com.br/wp-content/uploads/2013/09/lisias-aspa2.jpg" height="114" style="border: 0px; box-sizing: border-box; display: block; height: auto; margin: 0px 0px 1.5em; max-width: 100%;" title="lisias-aspa2" width="577" /></a></b></div>
<div style="background-color: white; box-sizing: border-box; color: #333333; font-family: Helvetica, Arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 21px; margin-bottom: 1em; margin-top: 1em;">
<b style="box-sizing: border-box; margin-top: 0px;">Brasileiros –</b> Mas o ponto de partida é real.</div>
<div style="background-color: white; box-sizing: border-box; color: #333333; font-family: Helvetica, Arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 21px; margin-bottom: 1em; margin-top: 1em;">
<b style="box-sizing: border-box; margin-top: 0px;">Ricardo – </b>A ideia inicial do livro parte de um evento traumático, como no <i style="box-sizing: border-box; margin-top: 0px;">Céu dos Suicidas,</i> mas eu não gosto dessa palavra realidade. Acho que é uma questão de linguagem e as pessoas ficam querendo saber o que aconteceu na minha vida, como se eu pudesse dois anos depois recompor o que aconteceu dois anos antes. O que aconteceu se perdeu no momento em que aconteceu.</div>
<div style="background-color: white; box-sizing: border-box; color: #333333; font-family: Helvetica, Arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 21px; margin-bottom: 1em; margin-top: 1em;">
<b style="box-sizing: border-box; margin-top: 0px;">Brasileiros –</b> De qualquer maneira, você tem uma herança daquele momento em que as coisas aconteceram. Por exemplo, você é o cara que corre hoje a partir daquele momento. Isso é verdade?</div>
<div style="background-color: white; box-sizing: border-box; color: #333333; font-family: Helvetica, Arial, sans-serif; font-size: 14px; line-height: 21px; margin-bottom: 1em; margin-top: 1em;">
<b style="box-sizing: border-box; margin-top: 0px;">Ricardo – </b>Não. É tudo mentira isso de corrida, eu corria desde o mestrado. Ninguém consegue correr a São Silvestre treinando três meses e fazendo o tempo que eu faço. É um livro de ficção que infelizmente as pessoas ficam querendo fazer estardalhaço em cima. Hoje, fui tomar o ônibus ali na Consolação com a Paulista e um casal me parou e perguntou se eu tinha escrito <i style="box-sizing: border-box; margin-top: 0px;">Divórcio</i>. Foi a primeira vez que isso aconteceu fora de uma livraria. Eu falei que sim. E o casal disse: “Nossa, você deve estar arrasado!”. E queriam me dar um abraço! Não amigo, não tem nada disso. Mas parece que não tem saída.</div>
dani langerhttp://www.blogger.com/profile/00378449579306691066noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6311349724459827869.post-80197740879293800892014-03-25T11:58:00.000-03:002014-03-25T11:58:27.915-03:00Propostas para 2014<div class="MsoNoSpacing" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
</div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhNTQ6fqHrbpQZD4mvLCzDXek-eJvIKHvYcjylkb0JmFHXh6PPAV9sYpEIZ8c7IUhwl4E8MA3DW6mi_sFEaPfqW9H9hutkrQ5QyWJkAfubRENJHf1va9SRBI2ML4ROMimp1xd_CUiYXKQ4s/s1600/tumblr_mn3jynAq0r1r8bf0jo1_r1_1280.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhNTQ6fqHrbpQZD4mvLCzDXek-eJvIKHvYcjylkb0JmFHXh6PPAV9sYpEIZ8c7IUhwl4E8MA3DW6mi_sFEaPfqW9H9hutkrQ5QyWJkAfubRENJHf1va9SRBI2ML4ROMimp1xd_CUiYXKQ4s/s1600/tumblr_mn3jynAq0r1r8bf0jo1_r1_1280.jpg" height="400" width="300" /></a></div>
<div class="MsoNoSpacing" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNoSpacing" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
Em
2012 e 2013, com o apoio de diversos intelectuais e amigos, desenvolvemos o
curso “Leituras do século XXI”, que consistiu na seleção de obras que seriam
discutidas uma vez por mês, após palestra de professores de literatura altamente
capacitados. </div>
<div class="MsoNoSpacing" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<span style="line-height: 150%;">Nesses
dois anos, a proposta inicial fui cumprida: leram-se livros de diferentes
procedências, partindo do pressuposto de que uma das principais características
do século em que vivemos é, precisamente, a expansão do universo cultural. Até
então, quase tudo o que líamos era mediado pelo eixo eurocêntrico. Desse modo,
autores e livros de outras culturas eram selecionados e traduzidos quase sempre
para o francês e o inglês e, depois, exportados para outros países do mundo.
Enfim, a Europa e depois os Estados Unidos ditavam o que o mundo ocidental
deveria ler. Esse quadro transforma-se aos poucos a partir do final dos anos
XX.</span></div>
<div class="MsoNoSpacing" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNoSpacing" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
Conforme
foi visto no decorrer das palestras, o século XXI está alterando os rumos e o
próprio conceito das artes. Noções recentes, de diversos teóricos, sociólogos e
filósofos - como <i>modernidade líquida</i>,
de Zygmund Bauman, e <i>Contemporâneo</i>,
de Giorgio Agamben, além das avaliações histórico-sociológicas de Eric Hobsbawn
- serviram de pressupostos para auxiliar no entendimento dessas mudanças.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNoSpacing" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
Agora,
em 2014, atendendo a pedidos, organizamos um curso voltado especificamente para
a literatura brasileira no século XXI. Contando com a colaboração do Professor
Doutor Ricardo Barberena, organizei um novo programa. Antes disso, porém, no
mês de março, encerramos a primeira etapa do curso, convidando um tradutor para
abordar uma obra traduzida diretamente do texto original, norueguês. Com a
palestra de Guilherme Braga, sobre Gaute Heivoll, autor do romance <i>Antes que eu queime</i>, tornou-se claro
para todos que a importação cultural é muito mais do que uma transposição de
discursos. <o:p></o:p></div>
<div class="MsoNoSpacing" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
É
preciso acrescentar que as reflexões e os estudos que embasaram o curso
“Leituras do século XXI”, do qual faz parte a proposta de 2014, foram
fundamentais para a organização do livro <i>Por
que ler os contemporâneos? autores que escrevem o século XXI.</i> Esse livro,
espécie de dicionário de autores, foi<i> </i>organizado
por mim e pelos escritores Daniela Langer, Rafael Bán Jacobsen e Rodrigo Rosp. “Uma
hacatombe na cena provinciana” – segundo o escritor Rafael Jacobsen – o livro consiste
num roteiro que apresenta cem autores através de verbetes, onde suas obras são
destacadas e seguidas por uma pequena resenha. Para isso, contamos com o
trabalho de cem intelectuais diferenciados, que se dispuseram a colaborar nessa
elaboração.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
Nada
impede que em 2015 retornemos à proposta inicial. Mas, neste momento, optamos
por olhar para dentro, observar o que vem sendo produzido no país a partir da
primeira década do século. Dez anos é muito pouco para fixar tendências, mas
nossas suposições vão sendo confirmadas. E, como os interessados poderão
conferir, prolifera a diversidade de temáticas e de formas.<o:p></o:p></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
Com
isso, pretendemos contribuir para divulgar alguns dos melhores momentos da
literatura contemporânea, promovendo trocas entre escritores e leitores e
apreendendo novas formas de imersão no literário.<o:p></o:p></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; text-align: right;">
<i>Profa. Dra. Léa Masina</i></div>
dani langerhttp://www.blogger.com/profile/00378449579306691066noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-6311349724459827869.post-34565092347459272012013-10-27T14:56:00.001-02:002013-10-27T14:56:19.957-02:00<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgTdo2bYyNN32dVPX5DZhT9kysk5ff0Thhu81YtbZ601fJEs472uubCNrZ3Z8zFJokCsu6qKw8mA1sE4Gp0KoS4syrpzsJEVgq3eAgczTwa8WnvtpUPjLTTRA74NwLZp_Mvf2R9vOQZEfR4/s1600/30771554+%25281%2529.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="200" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgTdo2bYyNN32dVPX5DZhT9kysk5ff0Thhu81YtbZ601fJEs472uubCNrZ3Z8zFJokCsu6qKw8mA1sE4Gp0KoS4syrpzsJEVgq3eAgczTwa8WnvtpUPjLTTRA74NwLZp_Mvf2R9vOQZEfR4/s200/30771554+%25281%2529.jpg" width="122" /></a></div>
<br />
Dia 9 de novembro, Leituras do séc. XXI contará com a presença do Prof. Dr. Paulo Ricardo Angelini que apresentará a leitura do romance O apocalipse dos trabalhadores, de Valter Hugo Mãe.<br />
<br />
Um ótimo aperitivo para esse encontro é o texto de Angelini sobre outro romance de Mãe, O filho de mil homens.<br />
<br />
------<br />
<br />
<br />
<div class="MsoNoSpacing" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif";">Valter
Hugo Mãe é um dos novos talentos da literatura portuguesa contemporânea.
Nascido em Angola, em 1971, foi muito cedo para Portugal. Publicou seis
romances: o recém lançado em Portugal <i>A
desumanização</i> (setembro de 2013), <i>O
filho de mil homens</i> (2011), <i>a máquina
de fazer espanhóis</i> (2010) <i>o
apocalipse dos trabalhadores</i> (2008), <i>o
remorso de baltazar serapião</i>, vencedor do prémio josé saramago (2006) e <i>o nosso reino</i> (2004). É autor dos
seguintes livros infantis: <i>o rosto</i>
(agosto 2010), <i>as mais belas coisas do
mundo</i> (agosto 2010), <i>a verdadeira
história dos pássaros</i> (2009) e <i>a
história do homem calado</i> (2009). Além disso, é músico, vocalista da banda
Governo. Leia abaixo uma resenha crítica do último livro lançado no Brasil, O
filho de mil homens, que aponta uma mudança considerável na literatura do
autor.</span></div>
<div class="MsoNoSpacing" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif";"><br /></span></div>
<div class="MsoNoSpacing" style="text-align: justify;">
<b style="text-indent: 35.4pt;"><span style="font-family: "Times New Roman","serif";">Afeto
para abrir o mundo: <i>O filho de mil homens</i>,
de Vater Hugo Mãe.</span></b></div>
<div class="MsoNoSpacing" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif";"><br /></span></div>
<div class="MsoNoSpacing" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif";">Crisóstomo é um homem que
completa quarenta anos e carrega o vazio de não ter uma família – é um
homem-metade: “via-se metade ao espelho porque se via sem mais ninguém,
carregado de ausências e de silêncios como os precipícios ou poços fundos”<a href="file:///C:/Users/Dani/Downloads/o%20filho%20L%C3%A9a.docx#_ftn1" name="_ftnref1" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><!--[if !supportFootnotes]--><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-size: 11pt; line-height: 115%;">[1]</span></span><!--[endif]--></span></a>
(p. 15). Camilo é um menino de catorze anos. Não chegou a conhecer sua mãe, uma
anã que morreu em decorrência do parto. Foi adotado por um velho que amava os
livros. Com a morte do avô, por vinte dias ficou sozinho no mundo: “Era um
menino na ponta do mundo, quase a perder-se, sem saber como se segurar e sem
conhecer o caminho. Os seus olhos tinham um precipício. [...] Um rapaz
carregado de ausências e silêncios” (p. 21). Isaura foi um dia uma menina
bonita que teve relações sexuais com um gajo pouco escrupuloso. Mais que o
abandono do pretenso namorado, a perda da <i>pureza</i>
transtornou mãe e pai. Isaura tentou recuperar a virgindade, evitando outras
relações, “porque caladinha e lavada ia servir de absolutamente nova e a
estrear para outro rapaz” (p. 58), esperando o homem certo, que nunca veio.
Acabou por definhar, por reduzir-se a um esboço de si mesma: “Era uma mulher
carregada de ausências e silêncios. Para dentro da Isaura era um sem fim e
pouco do que continha lhe servia para a felicidade. Para dentro da Isaura a
Isaura caía” (p. 73).<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNoSpacing" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif";">Esses três personagens de Valter
Hugo Mãe, que encaram o abismo com a vertigem da própria existência, encontram-se
pelo acaso ou pelo destino e, vencendo algumas barreiras, acabam por constituir
um núcleo familiar: Crisóstomo conhece Camilo e vê nele um filho. Isaura chega
para completar a tríade. E o que torna possível esse compartilhar de
sentimentos ao mesmo tempo causa um estranhamento ao leitor, tão acostumado
estamos com a literatura que mergulha na crise, no trágico, no sofrimento.
Falar sobre situações belas na simplicidade que as compõe, em cenas que abraçam
a afeição, nos nossos tempos, pode soar antiquado, incoerente, inverossímil,
mesmo infantil. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNoSpacing" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif";">Aliás, não por acaso, <i>O filho de mil homens</i>, o mais recente
romance publicado (1ª edição em setembro de 2011) pelo autor, é dedicado às
crianças. Talvez haja, de fato, a necessidade de silenciarmos o nosso discurso
cínico e pessimista, ratificando um processo de reeducação simbólica às novas
gerações. Talvez precisemos rever a valorização do individualismo, recuperar a
crença na possibilidade de uma felicidade que nasce através do afeto. <i>O filho de mil homens</i>, de Valter Hugo
Mãe, inicia-se em tom juvenil (o primeiro capítulo traz, inclusive, ilustrações
com traços pueris, a cargo de Luís Silva), e flerta, assumidamente, com o <i>naive</i>. Mesmo assim, é contundente, e
eficiente, em suas escolhas narrativas.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNoSpacing" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif";">Pensemos na violência
sistemática, e sádica, do Senhor Ferreira com Maria da Graça, em <i>o apocalipse dos trabalhadores</i>. Ou no
brutalismo descrito em fúria ciumenta de Baltazar – “caí em cima dela como
rachando-lhe a espinha ao meio. parecia mesmo que se abria em dois, partida
entre as mamas, uma para cada esquerda e direita do outro lado das costas”
(MÃE, 2008, p.45) –, em <i>o remorso de
baltazar serapião</i>. Diferentemente de suas primeiras obras, com alguns personagens
que se voltam para um lado obscuro, destrutivo, aqui o autor apresenta seres
que, mesmo perdidos, encontram a redenção. E essa redenção sempre passa pela relação
com o próximo.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNoSpacing" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif";">Crisóstomo, Camilo, Isaura são
apenas três das peças dessa ciranda, e literalmente eles dão-se as mãos. Em
vinte capítulos, o leitor é apresentado a personagens excêntricos, não raro com
hábitos bizarros, que aos poucos têm suas vidas entrelaçadas e modificadas um
pelo outro. Crisóstomo, por exemplo, possui um boneco de pano com quem se abraça,
a fingir de filho: “Começava sempre as frases por dizer: sabes, meu filho. Era
o que mais queria dizer. Queria dizer meu filho, como se a partir da pronúncia
de tais palavras pudesse criar alguém” (p. 15). A palavra – materializada – e
seu poder de revolução. Não a revolução política, mas uma íntima, pessoal,
escondida. Na contramão das relações líquidas e rarefeitas, postuladas por
Zygmunt Bauman, em <i>Amor líquido</i>, esses
seres de Valter Hugo Mãe embrenham-se em uma luta pela sobrevivência, que só
encontra amparo em um outro. Como afirma Bauman, “a sobrevivência de um ser
humano se torna a sobrevivência da humanidade no humano” (BAUMAN, 2004, p. 98).<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNoSpacing" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif";"> Ao mesmo tempo em que alguns desses
personagens vão à caça desse humano, oculto em si mesmo e no outro, as relações
hipócritas são acentuadas. As diferenças, num primeiro momento, não são
aceitas, mas observadas com desprezo ou pena. Vemos, por exemplo, o caso da
personagem anã, mulher por quem todos sentiam dó pela sua figuração que beira o
irreal: “as pessoas chegavam a pensar nela como nos duendes das fantasias” (p. 30).
A vizinhança nutria por ela um sentimento de controle e proteção, revelado na
linguagem diminutiva: “Você tome um chazinho, faça uma canjinha, cubra o
pescocinho, ponha umas botinhas...” (p. 30). Contudo, essa mulher-miniatura,
com pouco mais de oitenta centímetros de altura e voz de passarinho, não
assumia o papel de vítima. Era uma mulher feliz a seu modo, o que começava a
incomodar as pessoas, que não entendiam como uma “anã tão feita para ser
triste” (p. 40) pudesse encontrar alguma alegria no viver. Quando as vizinhas,
por exemplo, descobrem uma cama de casal no quarto da pequena mulher, a sua
imagem modifica-se por completo. O que poderia querer uma mulher anã com uma
cama de casal a não ser deitar-se com um homem? E como ela, tão diminuta,
poderia sonhar com tal envolvimento romântico? A sexualização da anã
transforma-a em um ser demoníaco, como se seu apetite sexual respingasse na
moral hipócrita de todas as vizinhas. Excluída do convívio, uma pequena
vingança da personagem: a gravidez. E descobre-se que ela teve quase todos os
homens (casados) da aldeia em sua cama, e, portanto, qualquer um poderia ser o
pai de seu filho, o Camilo. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNoSpacing" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif";">Há também a personagem Matilde,
mulher forte que sente vergonha de Antonino, seu filho homossexual. Na diegese
é tão violento o preconceito contra ele, que em boa parte dela nem a um nome ele
tem direito, sendo conhecido como o <i>homem
maricas</i>. A própria mãe, inicialmente, nega o afeto ao filho, que sofre humilhações
constantes por sua orientação sexual. Sozinho e frágil, ele encontra em Isaura uma
possibilidade de troca, e com ela casa-se, a satisfazer a pressão social.
Porém, não consegue cumprir seu papel de marido viril. Contudo, apenas sua
presença talvez já fosse suficiente para Isaura, na ordem prática das coisas, pois
“um homem maricas, por mais repugnante que fosse, seria sempre um marido com
validade para melhorias fundamentais como aumentar a estabilidade financeira e
assegurar o socorro nas urgências médicas e azares diversos” (p. 67).<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNoSpacing" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif";">Durante as primeiras páginas do
livro, o narrador de Valter Hugo Mãe endossa o discurso preconceituoso de
certos personagens, criando um duelo de incertezas com o leitor frente às
intenções edificantes do que relata. Porém, ao mesmo tempo em que os
personagens observam seus próprios recalques e transformam-se em seres
solidários, o narrador solidifica-se em seu discurso afetivo.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNoSpacing" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif";">E assim, esses seres ocos
descobrem que “a vida podia ser mais simples” (p. 150). E a simplicidade passa
pelo cultivo de um companheirismo, pela atitude de cumplicidade com o próximo.
Isaura aproxima-se de Antonino não como o marido que ele não teria condições de
ser, mas como o melhor amigo que ela poderia encontrar. Ao mesmo tempo, o <i>homem maricas</i> transforma aquela mulher
vazia: embeleza-a, promove sua autoestima; e a amizade, a intimidade entre os
dois se fortalece: “Via agora como parecia elementar àquele homem que
desabafasse aqueles segredos, que livrasse a boca das palavras, porque ao menos
as palavras partiam e partiam de dentro do peito, aliviando o peito” (p. 194).
Acatar o outro é também aliviar as dores da solidão que se sente. Ao aceitar a
diferença, Isaura descobre o outro em profundidade. Conhece uma pessoa que “tratava
as coisas todas como se as coisas todas fossem para melhorar. Era triste que
ninguém tivesse percebido isso até então” (p. 195). Matilde, quando assume a
filha da empregada, morta em uma cena de divertido realismo mágico, também recupera,
depois de anos, o instinto em ser mãe de Antonino. E preenche todas as lacunas
na relação silenciosa que travara com o filho até então: “O seu menino mau
podia estar todo errado, mas perto dela era corrigido nos perigos” (p. 178). Portanto,
a aceitação das diferenças – ou como diz Crisóstomo, “cada um padecia de uma
especificidade que carecia de ser pensada de modo distinto” (p. 140) – é talvez
o primeiro grande impulso para a interação desses personagens. E ao ser
concretizada, acaba sendo uma arma contra a vida solitária, contra <i>a solidão que estraga as almas</i>. Um
exercício constante de aproximação, de desvelamento: “Parecia-lhe que a vida
era aprender, saber sempre mais e mudar para aceitar sempre mais” (p. 217).<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNoSpacing" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif";">É provável que alguns leitores
torçam o nariz para certas construções que parecem máximas de uma obra de
autoajuda, ainda mais descontextualizadas, como “a felicidade é a aceitação do
que se é e se pode ser” (p. 94), ou “nunca cultivar a dor, mas lembrá-la com
respeito, por ter sido indutora de uma melhoria, por melhorar quem se é” (p. 213).
Porém, até mesmo esse sentimentalismo desbragado em <i>O filho de mil homens</i> justifica-se e faz-se coerente no projeto
pretendido na narração. A força da palavra afetiva – verbalizada – transforma o
outro, a sociedade, o mundo: “Antes de dormir, o Camilo disse que amava o
Crisóstomo, amava o seu pai. Precisou de o dizer para não se limitar no amor.
Precisou de o dizer para si mesmo, baixinho, para não se limitar no amor” (p. 159).
O gesto e a ação – concretizados – viabilizam essa transformação: “O Antonino
sorriu iluminado. A Isaura deu-lhe a mão e riu muito. A Matilde, que não sabia
que o seu filho era o melhor ser humano do mundo, sentiu que, por tolice ou
novidade, ele cabia naquela casa” (p. 210).<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNoSpacing" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif";">Todos cabem nessa casa edificada
por Valter Hugo Mãe. Preenchidos de humanidade, esses seres de papel carregam a
certeza de que “amar uma pessoa é o destino do mundo” (p. 151), outra vez
remetendo a Bauman, que afirma: “amar o próximo pode exigir um salto de fé. O
resultado, porém, é o ato fundador da humanidade” (BAUMAN, 2004, p. 98). <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNoSpacing" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif";">Uma nova humanidade é criada,
nesse microcosmo de Valter Hugo Mãe. Lugar em que o passado não carrega traumas,
mas pode ser libertador: “Era exatamente uma saudade de ter sofrido o que
sofrera, o necessário para lhe ensinar a usufruir mais tarde, agora, a
felicidade” (p. 213). Crisóstomo, Camilo, Isaura, Matilde, Antonino entregam-se
ao agora, fortificam-se, reconfiguram-se: “Ele (Crisóstomo) disse: amo-te,
Isaura. Subitamente, metade das coisas pareciam compostas” (p. 143). <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNoSpacing" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif";">Amar o outro pode contrariar “o
tipo de razão que a civilização promove: a razão do interesse próprio e da
busca da felicidade” (BAUMAN, 2004, p. 97). Amar o outro pode contrariar a
ideologia do cinismo, do individualismo, do lado <i>cool</i> que o politicamente incorreto carrega e fascina, mas em <i>O filho de mil homens</i>, a felicidade só existe
quando pensada em doação. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNoSpacing" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif";">É o mundo simples e maiúsculo de
Valter Hugo Mãe. Após uma série de obras escritas apenas com minúsculas, quando
até mesmo seu nome era grafado nas capas dos livros em caixa baixa, há essa
pequena revolução estilística do autor, a refletir uma ação maior, grandiosa,
mas de caráter despretensioso e mínimo. E os personagens tantas vezes
fragmentários, descompostos, revelam-se aditivos. E felizes: “Eram, tanto
quanto possível, os felizes. Porque a felicidade não se substituía ao resto, a
felicidade acumulava-se” (p. 216).<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNoSpacing" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif";">Aos quarenta anos, o Crisóstomo
acreditou no outro. “Aos quarenta anos, o Crisóstomo, com o seu inusitado
entusiasmo, mudou o mundo” (p. 231). E, em um de seus últimos discursos na obra,
ao filho Camilo, que já aceita aqueles diferentes dele próprio, diz: “Todos
nascemos filhos de mil pais e de mais mil mães, e a solidão é sobretudo a
incapacidade de ver qualquer pessoa como nos pertencendo” (p. 236-237).
Pertencimento. <i>O filho de mil homens</i>
é assim tão simples; um livro que diz não à solidão e que acredita na
capacidade do afeto em abrir o mundo. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNoSpacing" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNoSpacing" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-family: "Times New Roman","serif";">Referências<o:p></o:p></span></b></div>
<div class="MsoNoSpacing" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNoSpacing" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif";">BAUMAN,
Zygmunt. <i>Amor líquido </i>- sobre a
fragilidade dos laços humanos. Rio de Janeiro: <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNoSpacing" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif";">Zahar, 2004. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNoSpacing" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
</div>
<div class="MsoNoSpacing" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Times New Roman","serif";">MÃE,
Valter Hugo. <i>o crepúsculo dos
trabalhadores</i>. Lisboa: Quidnovi, 2009. <o:p></o:p></span></div>
<div>
<!--[if !supportFootnotes]--><br clear="all" />
<hr align="left" size="1" width="33%" />
<!--[endif]-->
<br />
<div id="ftn1">
<div class="MsoFootnoteText">
<o:p></o:p></div>
</div>
</div>
<div class="MsoNoSpacing" style="text-align: justify;">
<a href="file:///C:/Users/Dani/Downloads/o%20filho%20L%C3%A9a.docx#_ftnref1" name="_ftn1" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: "Calibri","sans-serif"; font-size: 10.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT-BR; mso-ascii-theme-font: minor-latin; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-bidi-language: AR-SA; mso-bidi-theme-font: minor-bidi; mso-fareast-font-family: Calibri; mso-fareast-language: EN-US; mso-fareast-theme-font: minor-latin; mso-hansi-theme-font: minor-latin;">[1]</span></span></span></a>
Todas as citações de <i>O filho de mil
homens</i> referem-se à 3ª edição da obra de Valter Hugo Mãe e serão indicadas
apenas pelo número da página.<span style="font-family: "Times New Roman","serif";"> <o:p></o:p></span></div>
dani langerhttp://www.blogger.com/profile/00378449579306691066noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-6311349724459827869.post-68564947846974546292013-10-04T12:07:00.000-03:002013-10-04T12:07:29.394-03:00Prof. Dr. Gerson Neumann lê Herta Müller dia 5 de outubro<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhlG7WoL3VZvMU6sW8zgAu8jDZpHXXWFTTWSQYsLMnpMfsyX4A8m7riCZSxLGRn45eFSb7ttOWDGn8IeTBJopV9ytYtUpPB4n1Gz5-XGSsSjOSI5K9Zzum6Y7PjLUDJiVafLzha2l6BJHTZ/s1600/235406post_foto.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="220" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhlG7WoL3VZvMU6sW8zgAu8jDZpHXXWFTTWSQYsLMnpMfsyX4A8m7riCZSxLGRn45eFSb7ttOWDGn8IeTBJopV9ytYtUpPB4n1Gz5-XGSsSjOSI5K9Zzum6Y7PjLUDJiVafLzha2l6BJHTZ/s320/235406post_foto.jpg" width="320" /></a></div>
<br />
<br />
<br />
Dia 5 de outubro, sábado, o Leituras do séc. XXI recebe o Prof. Dr. Gerson Neumann. Ele irá palestrar sobre o romance Tudo o que tenho levo comigo, da autora, premiada com o Prêmio Nobel de Literatura, Herta Müller.<br />
<br />
<b>Como preparação do encontro, temos os dois textos abaixo, de autoria do Prof. Gerson Neumann.</b><br />
<br />
<a href="http://www.slideshare.net/slideshow/embed_code/26865968" target="_blank">Herta Müller. Autora romena? De língua alemã? Prêmio Nobel?</a><br />
<br />
<a href="http://www.slideshare.net/slideshow/embed_code/26865966" target="_blank">Herzwort und Kopfwort (em alemão)</a><br />
<br />
<br />dani langerhttp://www.blogger.com/profile/00378449579306691066noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-6311349724459827869.post-34264219209701874322013-09-10T13:03:00.004-03:002013-09-10T13:03:58.922-03:00A literatura por Mia CoutoNeste vídeo, o escritor moçambicano Mia Couto conta como se tornou um
leitor e um escritor de poesia e prosa. Ele também fala sobre seus
poetas prediletos e comenta a influência de escritores brasileiros como
Jorge Amado em sua literatura.<br />
<br />
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<iframe allowfullscreen='allowfullscreen' webkitallowfullscreen='webkitallowfullscreen' mozallowfullscreen='mozallowfullscreen' width='320' height='266' src='https://www.youtube.com/embed/SzNedHwwPmI?feature=player_embedded' frameborder='0'></iframe></div>
dani langerhttp://www.blogger.com/profile/00378449579306691066noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6311349724459827869.post-90422678171832734342013-09-10T12:45:00.001-03:002013-09-10T12:52:30.617-03:00Dia 14 de setembro, Terra Sonâmbula de Mia Couto no Leituras do Século XXINo próximo sábado, dia 14 de setembro as 10h, a Profa. Dra. Léa Masina, coordenadora dos Seminários Leituras do Séc. XXI, apresentará sua leitura de Terra Sonâmbula, romance do autor moçambicano Mia Couto.<br />
<br />
No vídeo abaixo, Mia Couto fala sobre "repensar o pensamento".<br />
<br />
<i>"Conferencista do Fronteiras do Pensamento 2012, defende em sua conferência um
pensamento que crie pontes e não fortalezas. Vivemos em um tempo de
acesso a tudo, mas confundimos ideias novas e informação recente: "Cada
vez mais repetimos o que já fomos."</i><br />
<br />
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<iframe allowfullscreen='allowfullscreen' webkitallowfullscreen='webkitallowfullscreen' mozallowfullscreen='mozallowfullscreen' width='320' height='266' src='https://www.youtube.com/embed/ahb9bEoNZaU?feature=player_embedded' frameborder='0'></iframe></div>
dani langerhttp://www.blogger.com/profile/00378449579306691066noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6311349724459827869.post-79886578583486949902013-09-01T23:05:00.001-03:002013-09-01T23:05:12.419-03:00Como comentar no blogAmigos,<br />
<br />
Gostaríamos muito de contar com a participação de todos que assistem aos seminários Leituras do Séc. XXI, ou aqueles que apenas frequentam este blog.<br />
<br />
Comentar no blog é muito fácil.<br />
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<br />
Conforme a imagem 1, no rodapé do post que você gostaria de comentar, clique em "Nenhum comentário" ou "Comentário" (caso já tenha um comentário no post).<br />
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Imagem 1<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
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Abrirá uma nova página, com a caixa para comentar, conforma mostra a Imagem 2.<br />
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Pronto!<br />
Colabore, queremos saber a sua opinião.dani langerhttp://www.blogger.com/profile/00378449579306691066noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6311349724459827869.post-22578966269536373272013-09-01T22:38:00.004-03:002013-09-01T22:38:38.612-03:00Caleb Faria Alves e as leituras complementares de Hibisco Roxo<i>Dia 10 de agosto, o Leituras do século XXI recebeu o Prof. Dr. Caleb Faria Alves que apresentou o seminário sobre o romance Hibisco roxo, da nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie.</i><br />
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjWImP6K5Od8hLjRWp0glh5ucMQK4K0g7iaAtSkfomrrurQMGeS0rnwnEuPTHL0RMdm6TfRMKCns2t2cMoqbP-ntlFL7K12lsMfXvk0TovRw-8aY_DbCpYtANlFmh_NkcN9i5D5j3M7ac2x/s1600/Momentos+2013+ag+026.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjWImP6K5Od8hLjRWp0glh5ucMQK4K0g7iaAtSkfomrrurQMGeS0rnwnEuPTHL0RMdm6TfRMKCns2t2cMoqbP-ntlFL7K12lsMfXvk0TovRw-8aY_DbCpYtANlFmh_NkcN9i5D5j3M7ac2x/s320/Momentos+2013+ag+026.jpg" width="240" /></a></div>
<br />
<div class="MsoNormal">
<i>O texto abaixo, enviado pelo Professor Caleb, oferece a oportunidade de termos contato com as leituras complementares ao romance Hibisco roxo. </i></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Caros amigos<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;"><br /></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Estou escrevendo em resposta aos pedidos para que publicasse
neste site as citações feitas em minha palestra. Eu organizei minhas reflexões
em torno de três livros: <b>Ibisco Roxo</b>,
é claro; <b>Things fall apart</b>, de <b>Chinua Achebe</b>, publicado em 1958; e <b>Coração das Trevas</b>, de <b>Joseph Conrad</b>, publicado em 1902. A
escolha teve razões muito fortes e conhecidas na literatura. Achebe é
considerado um dos mais importantes escritores nigerianos e africanos. Não o
digo apenas por conta de sua presença na sempre falha e discutível lista dos
grandes romancistas, mas pela imensa influência de sua obra. Muitos o tomaram
como referência para a construção de uma estética não colonialista, procurando
inspiração no modo como ele lida com o fluxo narrativo, as personagens e o
contexto da trama. A relação aparece de forma evidente nas menções de
Chimamanda a sua obra. O livro <b>Meio Sol
Amarelo</b>, também de Chimamanda, abre com versos de um poema seu. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Achebe, por sua vez, escreveu fortemente inspirado pela leitura
de Conrad, que reputava racista. Ele toma o escritor britânico, de origem
polaca, como contraexemplo do que gostaria de escrever. O Coração das Trevas é,
de fato, um livro controverso, ora citado como denúncia do horror colonialista,
ora como conivente. O debate é explorado em <b>Cultura e Imperialismo</b>, de <b>Edward
Said</b>, autor imprescindível para quem quer compreender a produção literária sobre
nações colonizadas ou produzidas em seus territórios. De qualquer jeito, é
reconhecida a capacidade de Conrad de nos sugar, de maneira única, para dentro
da história que narra.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Na esteira da reflexão sobre Conrad, abordei características
do positivismo. Quem quiser compreender melhor a arte na virada do XIX para o
XX, recomendo conhecer um pouco essa escola de pensamento. Há um livro bastante
acessível e interessante, com textos originais, organizado por <b>Celso Castro</b>, intitulado <b>Evolucionismo Cultural</b>, que pode
ajudar. A característica do positivismo, que citei na palestra, foi a de
considerar que a história acontece pela
superação de fases ou etapas. Toda humanidade chegaria ao mesmo ponto de
evolução, a uma mesma cultura, sendo que uns estariam em estágios mais
avançados que outros, o que seria visível nas diferenças entre regiões. Muitas
pinturas e romances exploraram essa concepção de tempo e espaço, produzindo
sequências nos planos narrativos internos à obra ou em diversas produções
mutuamente referenciadas.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">No campo da produção antropológica, citei ainda <b>Roy Wagner</b>, que, em <b>A invenção da Cultura</b>, coloca a questão
em termos completamente distintos. Para ele, a interpretação das culturas
requer analogias, e elas não podem ser produzidas sem que os termos da cultura
do intérprete sofram, elas mesmas, uma análise de conteúdo e pertinência. Ou
seja, é impossível pensar o outro sem uma reflexão sobre si mesmo.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Para quem quiser conhecer melhor a história da Guerra de
Biafra, um dos conflitos mais terríveis da história das colônias na áfrica,
pano de fundo silencioso de Hibisco Roxo, recomendo a leitura de <b>Meio Sol Amarelo</b>, mencionado acima.
Livro igualmente lindo e apaixonante. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Falei, muito superficialmente, em <b>Michel Foucault</b>, com uma intenção que explicito agora: juntamente
com outros de sua geração, com destaque para <b>Gilles Deleuze</b>, ele sepultou definitivamente a centralidade do
projeto civilizatório no pensamento sobre a natureza e a vida, atacou as
polaridades estereotipantes e os maniqueísmos redutores. Para eles, apesar do
positivismo ser considerado uma escola de pensamento superada, ainda está
fortemente presente na arte e na ciência moderna. Essa questão ganha novos
contornos na produção artística e intelectual recente, entre outros, em <b>Giorgio Agambem</b>, já abordado por
Baberena. Para o filósofo italiano, pertence ao contemporâneo quem não coincide
completamente com ele, quem é inatual, numa clara rejeição à linearidade
histórica. E não é uma das qualidades mais marcantes da obra de Chimamanda, a
denúncia, em suas próprias palavras, da violência da história única? <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: inherit;">Por fim, na palestra ou agora, não tive a menor intenção de
produzir uma síntese das obras ou autores. Menos ainda de apontar parentescos
indevidos ou conclusões definitivas. Quis apenas evidenciar as referências
mobilizadas na apresentação que fiz do livro de Chimamanda.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: inherit;">Agradeço muitíssimo a todos empenhados nesse
ciclo tão rico e interessante de debates. Aos que comparecem assiduamente, aos
que enfrentaram a chuva e o frio para me ouvir, aos que ministraram palestras
e, principalmente, à Lea, por nos capitanear nessa aventura.</span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="line-height: 115%;"><span style="font-family: inherit;"><br /></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="line-height: 18px;"><i>Caleb Faria Alves</i></span></div>
<br />
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjcnIemk0ZmTD3zV-L5tDyMQXQekOTHVGR4d5glgnVE7_DuV_eIgZSkswVtnFrPPHfoaHQHhwCiXWd0ogn64eiie-eEg2nb-9dBUhdySBx0_9xKpWTTQ2WsLB3q1778ezIoCjF1yIvwIURT/s1600/Momentos+2013+ag+044.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="240" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjcnIemk0ZmTD3zV-L5tDyMQXQekOTHVGR4d5glgnVE7_DuV_eIgZSkswVtnFrPPHfoaHQHhwCiXWd0ogn64eiie-eEg2nb-9dBUhdySBx0_9xKpWTTQ2WsLB3q1778ezIoCjF1yIvwIURT/s320/Momentos+2013+ag+044.jpg" width="320" /></a></div>
<br />dani langerhttp://www.blogger.com/profile/00378449579306691066noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6311349724459827869.post-28478839314119812762013-08-08T22:47:00.002-03:002013-08-08T22:47:28.576-03:00Chimamanda Adichie: O perigo de história únicaDepoimento da escritora nigeriana Chimamanda Adichie para o TED em 2009.<br />
<br />
No vídeo, Chimamanda fala sobre a pluralidade da literatura e conta a história de como ela encontrou sua voz autêntica cultural. Também adverte para o fato de que se ouvirmos apenas uma única história sobre outra pessoa ou
país, corremos o risco de um mal-entendido fundamental<br />
<br />
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<iframe allowfullscreen='allowfullscreen' webkitallowfullscreen='webkitallowfullscreen' mozallowfullscreen='mozallowfullscreen' width='320' height='266' src='https://www.youtube.com/embed/wQk17RPuhW8?feature=player_embedded' frameborder='0'></iframe></div>
<br />dani langerhttp://www.blogger.com/profile/00378449579306691066noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-6311349724459827869.post-14048407474678011982013-08-05T13:00:00.000-03:002013-08-08T22:36:38.567-03:00Hibisco roxo de Chimamanda Ngozi AdichieNo próximo sábado, dia 10 de agosto, o Leituras do século XXI receberá o Prof. Dr. Caleb Faria Alves que apresentará a leitura do romance Hibisco Roxo, da nigeriana Chimamanda Ngozi Adichi.<br />
<br />
Preparando para o encontro, segue o trecho de uma resenha publicada no site Livros Abertos (para ler na íntegra, <a href="http://www.livrosabertos.com.br/2012/02/11/hibisco-roxo/" target="_blank">cliquei aqui</a>)<br />
<br />
<div style="text-align: left;">
<i><span style="font-family: inherit;">"Já
nas primeiras páginas da obra, o leitor percebe que a problemática
exposta durante os 20 minutos em que Chimamanda discursou para uma
encantada plateia está presente, como forma de expressão artística e
também de protesto, no enredo. A realidade nigeriana, país de origem da
escritora que serve como palco para a narrativa, é apresentada a partir
de um olhar que mescla profundo afeto e crítica implacável. O ponto de
vista do leitor é o da Nigéria contemplada de dentro para fora. Por
focar tanto na complexidade da <em>psique</em> humana quanto nos problemas sociais do país, <em>Hibisco roxo</em> escapa ao rótulo de folhetim nacionalista cujo objetivo, antes da arte em si, é apontar as deficiências de uma nação.</span></i></div>
<i><span style="font-family: inherit;">
</span></i><div style="text-align: left;">
<i><span style="font-family: inherit;">A protagonista e narradora de <em>Hibisco roxo</em>
é Kambili, uma adolescente de família rica. É sob seu prisma, muitas
vezes estreito, que o leitor enxerga o que se passa em um lar nigeriano
sufocante, proibitivo e extremamente rígido — um seio familiar que
perdeu a maioria das raízes com a cultura do país, tendo passado a
consumir, como representação fiel do mundo e salvação absoluta, muitas
das verdades dos colonizadores europeus. O pai de Kambili é um devoto
fanático do catolicismo — religião levada ao continente por missionários
que tinham a obrigação de converter a população pagã — que vive sua fé
de maneira doentia. É um homem riquíssimo, dono de um jornal
independente e de muitas fábricas de alimentos e bebidas. Sob certo
prisma, e talvez por interesse na salvação divina, é generoso: doa boa
parte do seu dinheiro à população, a orfanatos, a escolas, a hospitais. A
mãe de Kambili, até onde o leitor enxerga, é, como muitas mulheres,
submissa ao marido. Já o irmão da protagonista, Jaja, é cúmplice da
garota: dentro de suas limitadas possibilidades, o jovem tenta proteger
Kambili da tirania do pai — que recai, sem arrefecimento, sobre toda a
família.</span></i></div>
<i><span style="font-family: inherit;">
</span></i><div style="text-align: left;">
<i><span style="font-family: inherit;"><em>Hibisco roxo</em>
é a história de uma família destruída pela violência do fanatismo. E é a
história da supremacia de uma cultura, a europeia, em relação à cultura
de uma nação humilhada pelo processo de colonização. É a história da
tentativa de erradicação de um credo para que este ceda seu lugar a
outro, supostamente o que trazia o deus e os dogmas corretos. Mas, antes
de tudo, <em>Hibisco roxo</em> é a história do desabrochar de uma jovem — que, como sugere o título, abre-se, ao longo da narrativa, de botão em flor."</span></i></div>
dani langerhttp://www.blogger.com/profile/00378449579306691066noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-6311349724459827869.post-55266498348873081062013-07-01T21:12:00.002-03:002013-07-01T21:12:21.497-03:00Uma conversa com Pamuk<b>Orhan Pamuk: “Um escritor não deve se envolver em situações políticas, mas é inevitável”</b><br />
<br />
O escritor turco vencedor do Nobel de literatura diz que escreve pela beleza do romance e que nunca seus livros têm motivação política<br />
<br />
ANDRÉ SOLLITTO (<a href="http://revistaepoca.globo.com/cultura/noticia/2012/01/orhan-pamuk-um-escritor-nao-deve-se-envolver-em-situacoes-politicas-mas-e-inevitavel.html" target="_blank">revista Época</a>)<br />
<br />
Em 2004, o escritor turco Orhan Pamuk esteve no Brasil para uma palestra. Seu livro Meu nome é vermelho havia sido publicado no país, mas o evento foi pouco concorrido. No final de 2011, ele voltou para uma série de conferências no projeto Fronteiras do Pensamento em São Paulo e Porto Alegre. Os ingressos se esgotaram rapidamente. A diferença mostra como o escritor se tornou popular no mundo todo em pouco tempo. Depois de publicar Neve (2004), romance em que conta a história de um poeta envolvido em uma série de conflitos religiosos em uma pequena cidade do mundo muçulmano, foi laureado com o prêmio Nobel de literatura, em 2006. Durante seus quase 38 anos de carreira, já publicou 14 livros, a maioria deles traduzida para o português. O último deles, O romancista ingênuo e o sentimental (Companhia das Letras,152 páginas, R$34), reúne seis palestras que proferiu em Harvard. Em entrevista a ÉPOCA, Pamuk conta sua experiência como leitor e romancista e expõe sua visão do mundo da literatura.<br />
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiTFIQ2uMtedGFuNN_0CE9jBviiy1wMLda0wnG3Kyz0dPllWxc8bLzKjJcUQ4HwhmM67OuwgfF-rUBkBjngA_gFnFvASkgGQLVzoHb_QC1CZ8Rtn6T2Z7AQaV2QB3Wu45SnR7OMkohFzrWv/s400/pamuk.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiTFIQ2uMtedGFuNN_0CE9jBviiy1wMLda0wnG3Kyz0dPllWxc8bLzKjJcUQ4HwhmM67OuwgfF-rUBkBjngA_gFnFvASkgGQLVzoHb_QC1CZ8Rtn6T2Z7AQaV2QB3Wu45SnR7OMkohFzrWv/s320/pamuk.jpg" width="224" /></a></div>
<br />
<br />
<br />
ÉPOCA - O senhor nasceu e cresceu em Istambul, uma cidade em que as tradições do Ocidente e do Oriente se encontram e se misturam. Como o senhor vê esse encontro de tradições?<br />
Orhan Pamuk - Eu não tinha consciência disso como tenho hoje, porque o 11/9 fez com que esse “confronto” de civilizações entre o ocidente e o oriente se tornasse um tema global. Na minha infância, isso era um tema turco. Por causa de suas geografia e história, a Turquia está situada tanto na Europa quanto na Ásia. Era parte do Império Otomano. Quando esse império ruiu, todas as diferentes nações se tornaram Estados separados. Então, ficamos sozinhos com nossa “turquice”. Atatürk (Kemal Atatürk, fundador da República da Turquia e primeiro presidente do país) impôs tradições turcas a nós, junto com visões ocidentais de progresso. Foi uma decisão de “ocidentalizar” o país, algo semelhante ao que acontece com o Japão e com a Rússia. Isso gerou reações contrárias. Essa luta formou a cultura e a identidade turcas. Isso acabou até criando o romance oriental/ocidental, em que os valores do oriente e do ocidente se encontram, e então alguma garota, que acredita demais nos valores ocidentais, acaba se prostituindo... Meu próprio livro O castelo branco se baseia um pouco nesse tema.<br />
<br />
ÉPOCA - Eu ia perguntar se esse encontro afetou seus trabalhos.<br />
Pamuk - Sim, não afetou apenas O castelo branco, mas praticamente todos os meus romances tratam desse assunto. É preciso compreender que quem vive em Istambul não fica se perguntando: “sou ocidental ou sou oriental?” Elas vivem suas vidas. Por isso, eu não tinha consciência desse confronto entre Oriente e Ocidente como tenho hoje, porque o modo como a Turquia impôs a modernidade e a secularização, pela força das armas, a uma sociedade tradicional islâmica é basicamente o que os Estados Unidos estão tentando fazer no mundo.<br />
<br />
ÉPOCA - Como o senhor vê o papel político de um escritor? Ele precisa tomar partido e defender sua posição sempre que possível?<br />
Pamuk - Não. Nós tomamos partidos políticos por conta de nossa ética pessoal. Eu acredito fortemente que um escritor não deve se envolver em situações políticas, mas é inevitável. Escrever um romance é se identificar com pessoas. Não apenas o seu tipo de pessoa, mas com pessoas que são muito diferentes de você. Quando você começa a fazer isso, como eu fiz em Neve, você precisa compreender questões políticas islâmicas. Isso não significa que eu concorde com as situações políticas islâmicas apresentadas no livro. Meu dever ético não é julgar e criticar, mas me colocar na posição de alguém e tentar entender por que ele tem tanta raiva do Ocidente.<br />
<br />
ÉPOCA - Assim com o senhor sofreu forte oposição por comentar assuntos considerados tabus (como o genocídio de armênios cometido pelos turcos em 1915), vários escritores latino-americanos foram vítimas de oposição por causa de seus livros. O senhor sente algum tipo de identificação com eles?<br />
Pamuk - Claro. Depois que meus problemas começaram, eu senti ainda mais essa identificação. Mas em 1979, quando Harold Pynter e Arthur Miller foram à Turquia – naquela época eu não era um escritor tão famoso, mas tinha alguns livros publicados –, eu servi de guia a eles. E era um período de forte repressão, mas eu acreditava na liberdade de expressão. No final, meu principal valor é a liberdade de expressão. Eu entendo qualquer escritor, de qualquer lugar no mundo, que sofra repressão.<br />
<br />
ÉPOCA - Para o senhor, qual é o papel da literatura?<br />
Pamuk - Comunicação. Olhar para o coração humano. Ver humanidade em todas as culturas, em todas as situações, em todas as classes, cores, raças, sexos. Ver a vida claramente. Para me perguntar a mim mesmo coisas como “por que vivemos, quais são nossos valores na vida, quais são os valores que devemos respeitar, que tipo de vida devemos viver”. Questões que as pessoas esperam da religião, da filosofia, eu espero de romances, de literatura. Não acredito em força política fora dos romances, mas, sabe, às vezes as pessoas me pedem para assinar algo, um abaixo-assinado, e eu preciso assinar. É inevitável, em países em que a democracia é limitada, não fazer parte disso. Tenho sorte, sou famoso, e acabo me envolvendo. Mas minhas motivações não são nunca políticas. Quero escrever bons romances. Eu escrevo pela beleza do romance. Ponto final. Mas também quero ser uma pessoa politicamente correta.<br />
<br />
ÉPOCA - Notei que o senhor tem uma conexão muito forte com Jorge Luis Borges. Como o senhor vê essa relação?<br />
Pamuk - Literatura não tem a ver com política. Traduções são feitas, você pode comprar livros em lojas como o Amazon em cinco minutos... literatura é, hoje, um mundo muito grande, mas a comunicação o torna bem pequeno de se alcançar. Não prestamos atenção se ele argentino. Ele é um grande escritor, queremos ler o que ele escreve. Ele transforma a literatura. Eu gosto do Borges, como um escritor. Sinto prazer em ler suas coisas. Mas como me ajudou na minha vida! Em 1985, eu estava em Nova York, e pela primeira vez na vida eu passava tanto tempo longe da Turquia. Eu estava fascinado pelas bibliotecas americanas, pela cultura americana, pelos museus... Eu ficava me perguntando: “onde está meu sentimento turco?” Depois disso, comecei a ler literatura clássica islâmica. E Borges me ajudou a enxergar as alegorias, os jogos de palavras, os truques narrativos, que podem ser encontrados aos montes na literatura islâmica. Por causa de Borges, li esses textos apenas pelo seu valor intelectual. E a partir de então eu decidi que eu poderia usar esses truques nos meus romances, como fiz com O livro negro e Meu nome é vermelho.<br />
<br />
ÉPOCA - No seu último livro, O romancista ingênuo e o sentimental, o senhor fala da sua experiência como leitor de romances. O senhor consegue se lembrar se houve algum momento claro em que decidiu não apenas ler, mas também escrever?<br />
Pamuk - Foi algo relacionado ao fato de eu ter chegado a um beco sem saída com minhas pinturas. Eu queria ser um pintor, como disse no meu livro Istambul, mas, de alguma maneira, cheguei a um beco sem saída. Não sei explicar como. Mas eu sabia que estava destinado a viver em quarto, sozinho, sendo criativo, em vez de trabalhar em uma empresa, recebendo ordens, ou sendo um professor, um vendedor... Sabia que não seria assim. Então, minha decisão foi ser criativo. De fazer algo sozinho, com papel e caneta. Então, trocar para a literatura foi uma maneira de usar minha criatividade. Me lembro do dia em que quis ser romancista. Eu estava assustado, mas sabia que precisava escrever algo em uma página. Lembro de ler, naquela época, apenas O estrangeiro, de Albert Camus. Simplesmente porque ele lhe dá tanta boa vontade. Eu me sentia otimista. Escrever parecia tão simples: ir à praia, observar pessoas, escrever de maneira lírica. Eu estava lendo, relendo, relendo, e tentando escrever minhas sentenças. Meu primeiro livro não teve nada a ver com ele – tinha mais a ver com longos épicos, mas eu estava tentando me formar lendo esse livro de que eu gostava tanto.<br />
<br />
ÉPOCA - Nesse mesmo livro, o senhor fala de escritores famosos. Quais foram os autores que mais influenciaram sua maneira de escrever?<br />
Pamuk - Nesse ponto, não sou muito diferente de outros: Tolstói, Dostoievski, Proust e Thomas Mann são meus quatro maiores romancistas. Eles são muito bons. Gosto do apetite deles e da atenção aos detalhes. E eles também escrevem grandes livros, e eu gosto disso. Eles também continuaram por anos, e espero ser capaz de fazer isso. Além disso, há também outro grupo de escritores: Borges, Nabokov, Calvino. Eles me deram algo para pensar em uma literatura “caixa dentro de caixa dentro de caixa”. Literatura pós-moderna. Me deram os meios de sair do formato padrão do romance do século XIX, que eu respeito e, de certa maneira, voltei a ele em meu livro O museu da inocência. Mas é preciso usar esse formato de maneiras diferentes.<br />
<br />
ÉPOCA - Há algum escritor que foi inócuo em sua formação? O senhor leu, mas ele não teve influência nenhuma na sua maneira de escrever?<br />
Pamuk - Li Patricia Highsmith, mas não fui influenciado por ela. Não que eu não quisesse ser influenciado – não tenho medo das influências. Como vivo em um lugar tão distante, o fato de escrever sobre Istambul já evita que as influências fiquem claras.<br />
<br />
ÉPOCA - Hoje, quais são os autores que mais chamam sua atenção?<br />
Pamuk - Não leio mais tanto quanto costumava. Admiro Thomas Bernhardt, Samuel Beckett. Acompanho García Marquez também.<br />
<br />
ÉPOCA - O senhor dá várias palestras ao redor do mundo. Conhecer seus leitores é algo importante?<br />
Pamuk - Quando você dá uma palestra, você não conhece apenas seus leitores. Você chega perto de suas culturas. Agora, estou em São Paulo (Pamuk esteve no Brasil em dezembro. Passou por Porto Alegre e São Paulo). É minha segunda visita ao país. Vou a museus, olho as coisas... É sempre ótimo conhecer meus leitores, que gostam dos meus livros, sorriem de maneira tão gentil. É ótimo, eu me sinto honrado. Mas ando pelas ruas, vou a museus, tento compreender os jornais, visito livrarias. Eu gostei muito do que vi, porque sempre comparo com o que vejo em Istambul. Sou professor de Humanidade na Universidade de Columbia. Mas quero ser professor de Modernidade Comparada, que é uma disciplina que eu quero inventar. Brasil, México, Índia, China, Coreia são muito similares. Jornais, publicidade, programas de televisão, raivas, diferença entre classes mais e menos abastadas, pretensões das classes superiores, legitimação do poder, papel do exército... Essas coisas são tão parecidas e tão diferentes, ao mesmo tempo, em vários lugares, que eu digo a mim mesmo que deveria haver uma cadeira de Modernidade Comparada em Columbia. Gosto de comparar esses detalhes. Sempre que viajo tento observar isso. Por exemplo, andei pela Avenida Paulista e vi que as bancas de revista vendem livros de bolso, assim como na Itália. Ou os jornais que dão cupons...<br />
<br />
ÉPOCA - O senhor é adepto de novas tecnologias? Como o senhor escreve seus romances?<br />
Pamuk - Eu escrevo à mão, e isso não vai mudar. Quando as primeiras máquinas de escrever chegaram, eu já escrevia à mão. Quando surgiram os primeiros computadores eu tentei escrever, mas eles machucavam meus olhos, porque eram muito primitivos. Já sou velho, não vou mudar meus hábitos. Mas é claro que eu mando emails, que eu tenho um iPad, um celular... Tenho interesse nessas tecnologias, mas elas mudam tão rápido que preciso que alguém me ensine como usá-las. Eu tenho uma assistente que me ajuda. Livros digitais são, definitivamente, uma revolução. Editores falam muito deles e escritores estão assustados. Nós, escritores, não conhecemos muito sobre o assunto. Mas é uma revolução. Os hábitos de leitura vão mudar. No final, isso vai dar mais livros às pessoas de maneira barata. Mas vai haver brigas porque eles mudam os direitos dos autores, dos editores, das editoras. Mas se você olhar, por exemplo, de Marte, você vai ver a evolução. Um dia, você vai apertar um botão e vai ter todos os livros do mundo em um pequeno aparelho. Claro, vai ser barato e bom para as pessoas.<br />
<br />
ÉPOCA - Quando o senhor está escrevendo um romance, qual é seu método de trabalho?<br />
Pamuk - Eu acordo, às vezes ainda de pijama, sento na minha mesa e tomo meu café e meu chá enquanto leio o que escrevi no dia anterior, como as pessoas leem jornais. Eu só leio jornais depois das duas da tarde, porque quero manter minha mente livre de raiva, porque são sempre más notícias. Gosto de manter minha mente limpa de manhã para escrever. Depois, leio jornais, leio meus emails, e volto a trabalhar depois. Eu gosto do meu trabalho. Tenho tantas coisas para escrever, tantos romances que quero escrever...<br />
<br />
ÉPOCA - Quando o senhor se dedica a um romance, já tem o enredo pronto em sua cabeça?<br />
Pamuk - Em comparação com outros autores, eu planejo mais meus livros. Eu tenho um cuidado especial com a primeira frase. Isso é importante, mas pensar no final é ainda mais importante. Depois que você tem isso, é uma alegria. Eu sempre tento encontrar o final. Isso me ajuda muito. Ser um escritor é como ser um corredor de maratonas. É preciso ter força. A força de um romancista não é apenas sua criatividade, mas sua persistência e determinação. Há dias bons e dias ruins, você precisa seguir como um trem.<br />
<br />
ÉPOCA - O senhor está trabalhando em um novo romance?<br />
Pamuk - Sim. É sobre um vendedor de rua que vende iogurte e boza, uma bebida fermentada popular encontrada no Oriente Médio e no norte da África. É uma crônica da imigração da Anatólia para Istambul. Veremos o surgimento de uma nação. Veremos muita pobreza, mas assim como acontece com países como Brasil e China, essa nação vai ficando rica. Em paralelo, veremos a imigração para velhas cidades imperiais, que acabam mudando. Estou escrevendo, nesse sentido, sobre os excluídos de Istambul. É uma crônica das pessoas pobres de Istambul, do século XVII até hoje. Mas não estou escrevendo um livro do John Steinbeck. Estou escrevendo um livro de Orhan Pamuk, então essa crônica de costumes, assim como em Neve e Meu nome é vermelho, vai ser combinada com minha imaginação, com anedotas, com surrealismo, observação antropológica. O título, por enquanto, é Strangeness in my mind (Estranheza em minha mente, em tradução livre). O romance quer ser tanto uma crônica realista da vida de vendedores de rua quanto um panorama da vida em Istambul e da imigração.<br />
<br />
ÉPOCA - Vai ser um grande livro, então.<br />
Pamuk - Sim, assim espero! E vai tomar tempo.<br />
ÉPOCA - Em 2004, antes de ganhar o Nobel, o senhor veio ao Brasil. Poucas pessoas foram à sua palestra. Agora, o senhor volta bastante popular, com os ingressos esgotados. Como o senhor vê essa atitude de acompanhar um escritor mais pelos prêmios que ele ganhou do que pelo que ele escreveu?<br />
Pamuk - Quando vim aqui, Meu nome é vermelho tinha sido publicado, mas não estava vendendo bem. É natural, na verdade. O mesmo aconteceu na Alemanha, nos Estados Unidos, em todos os lugares. É sempre assim. Meus primeiros livros são publicados, ninguém lê, então algo acontece: ou o Nobel, ou algum prêmio nacional, e então as pessoas começam a ler meus livros. Mas em cada lugar as pessoas gostam mais de um romance diferente. Aqui, Neve é bastante popular. Na China, Meu nome é vermelho é o mais popular. Na Alemanha, é Istambul. Na França e na Itália, eles gostam de meu Livro negro. Claro que Neve é o mais popular, por causa do 11/9.<br />
<br />
ÉPOCA - O senhor já leu algum romancista brasileiro?<br />
Pamuk - Quando fui a Nova York, em 1985, estava acontecendo uma explosão de literatura latino-americana. Não apenas García Marquez e Vargas Llosa, mas vários outros também estavam sendo traduzidos. Eu vinha de um país em que não haviam traduções e fiquei com inveja. Publicaram também Machado de Assis nos Estados Unidos. Ele é muito criativo, vanguardista e pós-moderno. Meu editor inglês também me apresentou a Clarice Lispector. Ele me deu seus livros. Essa foi minha iniciação. Jorge Amado, com seus livros realistas, também é popular na Turquia.dani langerhttp://www.blogger.com/profile/00378449579306691066noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6311349724459827869.post-36212041847132848792013-07-01T21:06:00.004-03:002013-07-01T21:06:51.492-03:00Orhan Pamuk no próximo sábadoNo próximo sábado, 6 de julho, o Leituras do século XXI receberá o Prof. Dr. Biagio D'Ângelo que falará sobre o romance Meu nome é vermelho, de Orhan Pamuk.<br />
<br />
Enquanto esperamos pelo encontro, que tal conhecer um pouco mais o autor?<br />
<br />
<a href="http://www.revistaenie.clarin.com/ideas/Orhan-Pamuk_0_938306182.html" target="_blank">Orhan Pamuk: “Ojo que esto es una novela”</a><br />
<a href="http://www.revistaenie.clarin.com/ideas/Orhan-Pamuk_0_938306182.html" target="_blank">POR MARINA ARTUSA</a><br />
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El premio Nobel Orhan Pamuk habla de su propia presencia en sus novelas: “El modo en el que yo aparezco en mis libros es un modo modesto; no es metafísico o filosófico como en Borges. Borges escribió un ensayo maravilloso, ‘Borges y yo’, que cuando uno lo lee tiene esa sensación metafísica que confunde un poco pero que gusta. Mi aparición en mis novelas es más al estilo en el que Hitchcock aparece en sus películas, como una especie de firma modesta. Pero también uso mi presencia en las historias como la voz de alguien que termina las novelas. Cuando casi todos los personajes mueren y quedan cosas inconclusas, cuando la historia se termina, necesito una voz que diga: ‘Han pasado veinte años…’ Ahí me hace falta Orhan. Porque el lector se podría preguntar: ‘¿Quién es el que dice eso?’. La presencia del escritor que comanda y ve los detalles de todo es necesaria para mis ficciones. Es la voz que tiene bajo control todo el texto, da información de un modo veloz y desaparece. Es también un viejo método a lo Bertolt Brecht de recordar a los lectores: ‘Ojo que esto es una novela’”.<br />
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Minutos antes, el escritor turco ya había hablado de Borges: “Todas mis novelas son un proyecto diverso. Por ejemplo, en Museo de la inocencia , la intención era conjugar una novela en el formato de un catálogo de museo. Pero cuando estaba terminando de escribirla decidí no hacerla parecer un catálogo sino una novela antigua. En ese tiempo deseaba ser original y moderno o posmoderno. Borges dijo alguna vez que la actitud más dañina que un joven escritor se puede imponer a sí mismo es el deseo de querer ser moderno. Es algo que siempre tengo presente. Trato de estimular mi imaginación creativa y de disfrutar la escritura y por eso cada libro mío es diferente”.<br />
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Borges aparece como un referente en su vida. Junto a Nabokov, es el autor que más ha nombrado en esta charla. ¿Cuál es el libro de Borges que más le gustó?<br />
El Aleph.<br />
“Sin duda. Fue importante para mí”, agrega Pamuk mientras firma en automático la primera página de un libro –una de sus novelas, damos por descontado– que un brazo anónimo le acerca sin decirle ni media palabra.<br />
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<br />dani langerhttp://www.blogger.com/profile/00378449579306691066noreply@blogger.com0