domingo, 1 de setembro de 2013

Caleb Faria Alves e as leituras complementares de Hibisco Roxo

Dia 10 de agosto, o Leituras do século XXI recebeu o Prof. Dr. Caleb Faria Alves que apresentou o seminário sobre o romance Hibisco roxo, da nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie.


O texto abaixo, enviado pelo Professor Caleb, oferece a oportunidade de termos contato com as leituras complementares ao romance Hibisco roxo.  


Caros amigos

Estou escrevendo em resposta aos pedidos para que publicasse neste site as citações feitas em minha palestra. Eu organizei minhas reflexões em torno de três livros: Ibisco Roxo, é claro; Things fall apart, de Chinua Achebe, publicado em 1958; e Coração das Trevas, de Joseph Conrad, publicado em 1902. A escolha teve razões muito fortes e conhecidas na literatura. Achebe é considerado um dos mais importantes escritores nigerianos e africanos. Não o digo apenas por conta de sua presença na sempre falha e discutível lista dos grandes romancistas, mas pela imensa influência de sua obra. Muitos o tomaram como referência para a construção de uma estética não colonialista, procurando inspiração no modo como ele lida com o fluxo narrativo, as personagens e o contexto da trama. A relação aparece de forma evidente nas menções de Chimamanda a sua obra. O livro Meio Sol Amarelo, também de Chimamanda, abre com versos de um poema seu.
Achebe, por sua vez, escreveu fortemente inspirado pela leitura de Conrad, que reputava racista. Ele toma o escritor britânico, de origem polaca, como contraexemplo do que gostaria de escrever. O Coração das Trevas é, de fato, um livro controverso, ora citado como denúncia do horror colonialista, ora como conivente. O debate é explorado em Cultura e Imperialismo, de Edward Said, autor imprescindível para quem quer compreender a produção literária sobre nações colonizadas ou produzidas em seus territórios. De qualquer jeito, é reconhecida a capacidade de Conrad de nos sugar, de maneira única, para dentro da história que narra.
Na esteira da reflexão sobre Conrad, abordei características do positivismo. Quem quiser compreender melhor a arte na virada do XIX para o XX, recomendo conhecer um pouco essa escola de pensamento. Há um livro bastante acessível e interessante, com textos originais, organizado por Celso Castro, intitulado Evolucionismo Cultural, que pode ajudar. A característica do positivismo, que citei na palestra, foi a de considerar que a história acontece  pela superação de fases ou etapas. Toda humanidade chegaria ao mesmo ponto de evolução, a uma mesma cultura, sendo que uns estariam em estágios mais avançados que outros, o que seria visível nas diferenças entre regiões. Muitas pinturas e romances exploraram essa concepção de tempo e espaço, produzindo sequências nos planos narrativos internos à obra ou em diversas produções mutuamente referenciadas.
No campo da produção antropológica, citei ainda Roy Wagner, que, em A invenção da Cultura, coloca a questão em termos completamente distintos. Para ele, a interpretação das culturas requer analogias, e elas não podem ser produzidas sem que os termos da cultura do intérprete sofram, elas mesmas, uma análise de conteúdo e pertinência. Ou seja, é impossível pensar o outro sem uma reflexão sobre si mesmo.
Para quem quiser conhecer melhor a história da Guerra de Biafra, um dos conflitos mais terríveis da história das colônias na áfrica, pano de fundo silencioso de Hibisco Roxo, recomendo a leitura de Meio Sol Amarelo, mencionado acima. Livro igualmente lindo e apaixonante.
Falei, muito superficialmente, em Michel Foucault, com uma intenção que explicito agora: juntamente com outros de sua geração, com destaque para Gilles Deleuze, ele sepultou definitivamente a centralidade do projeto civilizatório no pensamento sobre a natureza e a vida, atacou as polaridades estereotipantes e os maniqueísmos redutores. Para eles, apesar do positivismo ser considerado uma escola de pensamento superada, ainda está fortemente presente na arte e na ciência moderna. Essa questão ganha novos contornos na produção artística e intelectual recente, entre outros, em Giorgio Agambem, já abordado por Baberena. Para o filósofo italiano, pertence ao contemporâneo quem não coincide completamente com ele, quem é inatual, numa clara rejeição à linearidade histórica. E não é uma das qualidades mais marcantes da obra de Chimamanda, a denúncia, em suas próprias palavras, da violência da história única?
Por fim, na palestra ou agora, não tive a menor intenção de produzir uma síntese das obras ou autores. Menos ainda de apontar parentescos indevidos ou conclusões definitivas. Quis apenas evidenciar as referências mobilizadas na apresentação que fiz do livro de Chimamanda.
Agradeço muitíssimo a todos empenhados nesse ciclo tão rico e interessante de debates. Aos que comparecem assiduamente, aos que enfrentaram a chuva e o frio para me ouvir, aos que ministraram palestras e, principalmente, à Lea, por nos capitanear nessa aventura.

Caleb Faria Alves



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