segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Amílcar Bettega fala sobre o romance Barreira - Parte 2 de 2




O escritor Amilcar Bettega responde:

Você pode adiantar alguma coisa a respeito do novo romance a ser publicado? (Barreira)

O que eu posso adiantar é que:
1) não é um livro muito fácil. É um livro que pede certa parceria do leitor, no sentido de que nem sempre a leitura vai ser fluida, prazerosa, que às vezes ele, o leitor, pode até ser tentado a largar o livro. Não sei se tenho o direito de pedir este crédito de antemão ao leitor, mas o livro precisa dessa paciência, dessa persistência. Como todo o livro, eu creio. É sempre a partir de uma relação de confiança entre o leitor e o livro que a experiência da leitura começa. Esta relação é frágil e pode ser quebrada a qualquer momento, exige esforços de parte a parte. Espero que no meu livro este esforço seja recompensado.

2) É um livro que tenta uma maneira diferente de chegar no leitor, pode ser que nem sempre consiga, mas tenta.

3) É um livro imperfeito, bastante imperfeito, com alguns excessos de um lado e lacunas de outro.

4) O que quero dizer é que não se trata de um livro fechadinho, redondinho, perfeitinho (aliás, tenho cada vez menos paciência para livros fechadinhos, redondinhos e perfeitinhos)

5)  É um livro que conserva certo tom difuso, com coisas não muito bem explicadas, ou pelo menos com várias hipóteses possíveis. A coisa gira em torno de um ou mais mistérios – em alguns momentos tem até certo tom policial – mas nada se revela como certo. Há vozes e discursos contraditórios, coisas que são afirmadas e negadas com a mesma ênfase.

6) É um livro que insiste na ideia de que há zonas obscuras (na vida, no real, na narrativa, no texto) e que estas zonas devem ser respeitadas.

7) É um livro para ser lido sem a preocupação de entender tudo ao nível da trama, é para se deixar levar.

8) E já que falo de trama, o que para mim nunca interessa muito, mas tem gente que não consegue passar sem isso, vai lá uma sinopse: o romance está ancorado em três personagens que interagem em alguns momentos da narrativa. Um turco de uns 60 anos (vivendo no Brasil), que deixou Istambul aos 6 e retorna pela primeira vez à sua cidade para encontrar sua filha (Fátima), fotógrafa, que uns meses antes viajara para ver a cidade que só conhecia através dos relatos do pai. Chegando a Istambul este pai se dá conta que a filha está desaparecida. Antes do desaparecimento, Fátima tem um breve envolvimento com um francês (Robert), autor de guia de viagens, que está a Istambul meio perdidão, em plena crise existencial, profissional, emocional, etc. Robert, por sua vez, ao receber a notícia da morte do filho (Lucas), retorna a Paris, toma conhecimento das atividades (que ele ignorava) do filho como artista, e isto o leva de volta a Istambul para encontrar Marc, um artista francês meio louco (ou que se faz de louco), amigo do seu filho, e que leva Robert à obra de um artista turco (Ahmet) que ninguém sabe exatamente se existe ou se é uma invenção de um coletivo de artistas ou se é uma segunda identidade (secreta) de Marc. Na obra (macabra) de Ahmet, alguns jovens podem ter deixado a vida.

9) Num sentido mais amplo, o livro fala sobre coisas perdidas, ou melhor, sobre coisas inacessíveis, sobre barreiras intransponíveis: barreira da língua, barreira entre gerações, barreira entre pais e filhos, barreira entre o real e a representação do real, entre o real e o imaginado, barreira entre o vivido e a memória do vivido, barreira entre o que se deseja resgatar e o que já desapareceu,  barreira na comunicação, entre aquilo que se quer dizer e o que se consegue que seja dito – e por que não dizer entre o livro que se quer escrever e aquele que se consegue escrever?

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