Solidão continental - ou a coragem de narrar
Daniela Langer*
Caros amigos,
“O corpo é uma
unidade mínima”, disse João Gilberto Noll em uma oficina para alunos de Escrita
Criativa na Faculdade de Letras da PUC. A frase curta é ponto de partida na
tentativa de entender a essência da literatura de Noll e o que ele procura
expressar através do fazer literário. Porque é corpo o que se vê, se toca e
respira. "O corpo, realmente, está em si mesmo". O corpo é fulcro de
dor e prazer, de sensações empíricas e imaginárias. A literatura também não é
isso? A literatura não é (ou deveria ser) a semente da dúvida, os caminhos que
se bifurcam, o prazer e a dor?
Desde o primeiro livro do autor, a questão do corpo
se faz presente. "O corpo é fundamental no que escrevo para contar o
desejo de contar a dor".
Para Noll, seu primeiro romance, A fúria do corpo, está distante de ser
um romance naturalista sobre a pobreza carioca. O livro fala da mendicância
simbólica - o romance é falta. É o escatológico e o pornográfico. O sexo dos
personagens é hipertextualizado, um hipersexualismo. "Literatura é
expressão acima de qualquer coisa". O papel do escritor é "dar a cara
a bater, levantar o tapete, revelar a sujeira. A literatura tenta revelar
aquilo que não falamos em sociedade".
Pode-se dizer que Noll fez do
corpo, ou da experiência literária do corpo, da errância dos personagens
sem-nome, múltiplos e ao mesmo tempo os mesmos em meio à multidão, sua poética.
Portanto, nada mais natural que em seu romance mais recente, Solidão continental, a temática
voltasse a emergir. "Escrevo
porque não sei, porque quero tocar em coisas que nem sabia existir. É PRAZER
TENEBROSO e MEDO - tocar em coisas que envergonham, que deveriam, socialmente,
serem caladas".
Para nosso encontro de sábado, proponho o risco. E que na leitura de Solidão continental não deixemos de
lado o estranhamento, pois só com ele seremos capazes de resignificar o que
acabamos de ler.
Proponho aceitar a literatura como o escoadouro de qualquer coisa que se
dá no ato da própria escrita. Como estado de vazio. Como a própria mancha do
texto que se transforma, uma vez lida, em página em branco.
A escrita é o acaso e quem deverá
mediá-la é o escritor. Nessa mediação, Noll não se furta de revelar o
interdito. O escritor deve NOMEAR o INOMINÁVEL. Noll propõe que o leitor se
enriqueça com a demência, com o desvio da forma, com um raciocínio muitas vezes
mal ajambrado. É a VISÃO GAUCHE que torna a literatura humana.
*Daniela Langer é escritora, autora do livro de contos No inferno é sempre assim - e outras histórias longe do céu. Este ano, co-organizou o livro Por que ler os contemporâneos? autores que escrevem o século 21. Cursa mestrado em Escrita Criativa na PUCRS.
** As frases entre aspas são do escritor João Gilberto Noll em oficina para alunos do curso de graduação e pós em Escrita Criativa da Faculdade de Letras da PUC no primeiro semestre de 2014
*Daniela Langer é escritora, autora do livro de contos No inferno é sempre assim - e outras histórias longe do céu. Este ano, co-organizou o livro Por que ler os contemporâneos? autores que escrevem o século 21. Cursa mestrado em Escrita Criativa na PUCRS.
** As frases entre aspas são do escritor João Gilberto Noll em oficina para alunos do curso de graduação e pós em Escrita Criativa da Faculdade de Letras da PUC no primeiro semestre de 2014
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