Preparando para o encontro, segue o trecho de uma resenha publicada no site Livros Abertos (para ler na íntegra, cliquei aqui)
"Já
nas primeiras páginas da obra, o leitor percebe que a problemática
exposta durante os 20 minutos em que Chimamanda discursou para uma
encantada plateia está presente, como forma de expressão artística e
também de protesto, no enredo. A realidade nigeriana, país de origem da
escritora que serve como palco para a narrativa, é apresentada a partir
de um olhar que mescla profundo afeto e crítica implacável. O ponto de
vista do leitor é o da Nigéria contemplada de dentro para fora. Por
focar tanto na complexidade da psique humana quanto nos problemas sociais do país, Hibisco roxo escapa ao rótulo de folhetim nacionalista cujo objetivo, antes da arte em si, é apontar as deficiências de uma nação.
A protagonista e narradora de Hibisco roxo
é Kambili, uma adolescente de família rica. É sob seu prisma, muitas
vezes estreito, que o leitor enxerga o que se passa em um lar nigeriano
sufocante, proibitivo e extremamente rígido — um seio familiar que
perdeu a maioria das raízes com a cultura do país, tendo passado a
consumir, como representação fiel do mundo e salvação absoluta, muitas
das verdades dos colonizadores europeus. O pai de Kambili é um devoto
fanático do catolicismo — religião levada ao continente por missionários
que tinham a obrigação de converter a população pagã — que vive sua fé
de maneira doentia. É um homem riquíssimo, dono de um jornal
independente e de muitas fábricas de alimentos e bebidas. Sob certo
prisma, e talvez por interesse na salvação divina, é generoso: doa boa
parte do seu dinheiro à população, a orfanatos, a escolas, a hospitais. A
mãe de Kambili, até onde o leitor enxerga, é, como muitas mulheres,
submissa ao marido. Já o irmão da protagonista, Jaja, é cúmplice da
garota: dentro de suas limitadas possibilidades, o jovem tenta proteger
Kambili da tirania do pai — que recai, sem arrefecimento, sobre toda a
família.
Hibisco roxo
é a história de uma família destruída pela violência do fanatismo. E é a
história da supremacia de uma cultura, a europeia, em relação à cultura
de uma nação humilhada pelo processo de colonização. É a história da
tentativa de erradicação de um credo para que este ceda seu lugar a
outro, supostamente o que trazia o deus e os dogmas corretos. Mas, antes
de tudo, Hibisco roxo é a história do desabrochar de uma jovem — que, como sugere o título, abre-se, ao longo da narrativa, de botão em flor."
O texto requer muita sensibildiade na sua apreensão, porque a escrita, aparentemente simples, é sutil, mesmo nas descrições realistas, até chocantes, de certos eventos. A visão da adolescente, sob uma aparente ingenuidade, não tem nada de inocente, e é significativo os momentos em que ela não consegue superar a mudez, sintoma da repressão e da violência da colonização cristã, representada de forma tão contraditória na figura do pai.
É um texto que nos leva a refletir sobre o lado escuro da modernidade européia, das diferenças culturais e sobre o nosso legado como herdeiros de tradições ocidentais.
Profa. Dra. Rita Schmidt - PPG LETRAS UFRGS
Amigos
ResponderExcluirO comentário acima é da Profa. Rita Schmidt. O meu é o agradecimento ao nosso palestrante, Prof. Dr. Caleb Faria Alves, pelo modo suave e sensível com que nos fez pensar as complexas questões que a obra de Adichie propõe. Munido de um arsenal teórico de peso, o Prof. Caleb nos fez refletir sobre as dificuldades para nomear e definir as relações entre colonizadores e colonizados, ainda mais quando estas são vistas pelo olhar adolescente de uma personagem. E quando se passam no inteior de sua família. Mais uma vez, a literatura se ampara na Antropologia para avançar na sua tarefa interpretativa e construtiva.
Profa. Dra. Léa Masina
Sem dúvida alguma, tivemos uma palestra que valeu enfrentar a chuva e o frio desse 10 de agosto último.