O texto abaixo, enviado pelo Professor Caleb, oferece a oportunidade de termos contato com as leituras complementares ao romance Hibisco roxo.
Caros amigos
Estou escrevendo em resposta aos pedidos para que publicasse
neste site as citações feitas em minha palestra. Eu organizei minhas reflexões
em torno de três livros: Ibisco Roxo,
é claro; Things fall apart, de Chinua Achebe, publicado em 1958; e Coração das Trevas, de Joseph Conrad, publicado em 1902. A
escolha teve razões muito fortes e conhecidas na literatura. Achebe é
considerado um dos mais importantes escritores nigerianos e africanos. Não o
digo apenas por conta de sua presença na sempre falha e discutível lista dos
grandes romancistas, mas pela imensa influência de sua obra. Muitos o tomaram
como referência para a construção de uma estética não colonialista, procurando
inspiração no modo como ele lida com o fluxo narrativo, as personagens e o
contexto da trama. A relação aparece de forma evidente nas menções de
Chimamanda a sua obra. O livro Meio Sol
Amarelo, também de Chimamanda, abre com versos de um poema seu.
Achebe, por sua vez, escreveu fortemente inspirado pela leitura
de Conrad, que reputava racista. Ele toma o escritor britânico, de origem
polaca, como contraexemplo do que gostaria de escrever. O Coração das Trevas é,
de fato, um livro controverso, ora citado como denúncia do horror colonialista,
ora como conivente. O debate é explorado em Cultura e Imperialismo, de Edward
Said, autor imprescindível para quem quer compreender a produção literária sobre
nações colonizadas ou produzidas em seus territórios. De qualquer jeito, é
reconhecida a capacidade de Conrad de nos sugar, de maneira única, para dentro
da história que narra.
Na esteira da reflexão sobre Conrad, abordei características
do positivismo. Quem quiser compreender melhor a arte na virada do XIX para o
XX, recomendo conhecer um pouco essa escola de pensamento. Há um livro bastante
acessível e interessante, com textos originais, organizado por Celso Castro, intitulado Evolucionismo Cultural, que pode
ajudar. A característica do positivismo, que citei na palestra, foi a de
considerar que a história acontece pela
superação de fases ou etapas. Toda humanidade chegaria ao mesmo ponto de
evolução, a uma mesma cultura, sendo que uns estariam em estágios mais
avançados que outros, o que seria visível nas diferenças entre regiões. Muitas
pinturas e romances exploraram essa concepção de tempo e espaço, produzindo
sequências nos planos narrativos internos à obra ou em diversas produções
mutuamente referenciadas.
No campo da produção antropológica, citei ainda Roy Wagner, que, em A invenção da Cultura, coloca a questão
em termos completamente distintos. Para ele, a interpretação das culturas
requer analogias, e elas não podem ser produzidas sem que os termos da cultura
do intérprete sofram, elas mesmas, uma análise de conteúdo e pertinência. Ou
seja, é impossível pensar o outro sem uma reflexão sobre si mesmo.
Para quem quiser conhecer melhor a história da Guerra de
Biafra, um dos conflitos mais terríveis da história das colônias na áfrica,
pano de fundo silencioso de Hibisco Roxo, recomendo a leitura de Meio Sol Amarelo, mencionado acima.
Livro igualmente lindo e apaixonante.
Falei, muito superficialmente, em Michel Foucault, com uma intenção que explicito agora: juntamente
com outros de sua geração, com destaque para Gilles Deleuze, ele sepultou definitivamente a centralidade do
projeto civilizatório no pensamento sobre a natureza e a vida, atacou as
polaridades estereotipantes e os maniqueísmos redutores. Para eles, apesar do
positivismo ser considerado uma escola de pensamento superada, ainda está
fortemente presente na arte e na ciência moderna. Essa questão ganha novos
contornos na produção artística e intelectual recente, entre outros, em Giorgio Agambem, já abordado por
Baberena. Para o filósofo italiano, pertence ao contemporâneo quem não coincide
completamente com ele, quem é inatual, numa clara rejeição à linearidade
histórica. E não é uma das qualidades mais marcantes da obra de Chimamanda, a
denúncia, em suas próprias palavras, da violência da história única?
Por fim, na palestra ou agora, não tive a menor intenção de
produzir uma síntese das obras ou autores. Menos ainda de apontar parentescos
indevidos ou conclusões definitivas. Quis apenas evidenciar as referências
mobilizadas na apresentação que fiz do livro de Chimamanda.
Agradeço muitíssimo a todos empenhados nesse
ciclo tão rico e interessante de debates. Aos que comparecem assiduamente, aos
que enfrentaram a chuva e o frio para me ouvir, aos que ministraram palestras
e, principalmente, à Lea, por nos capitanear nessa aventura.
Caleb Faria Alves
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