segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Um pouco sobre Barreira, romance de Amílcar Bettega

(Matéria publicada na Revista Cult)




por Mariana Marinho
Há cerca de 20 anos, quem procurasse por Amilcar Bettega debruçado sobre papel e caneta, exercendo o ofício de escritor, não o encontraria. Isso porque o gaúcho formou-se em Engenharia Civil e, durante cinco anos, trabalhou em canteiro de obra. “Logo de cara sabia que Engenharia não era a minha praia, mas ainda não sabia o que queria fazer. Comecei a escrever tarde, aos 27 anos. Nessa mesma época, decidi fazer o mestrado em Literatura Brasileira. Era uma forma de sistematizar meu conhecimento em literatura, que era lacunar e feito por meio de leituras aleatórias”, conta.
Apesar do início tardio, Amilcar, hoje, é conhecido como um dos mais talentosos contistas brasileiros: pelo volume de contos O vôo da trapezista (Movimento/IEL, 1994) recebeu o prêmio Açorianos de literatura e com Os lados do círculo (Companhia das Letras) conquistou o prêmio Portugal Telecom.
Porém, não foram os contos que o trouxeram ao Espaço Revista CULT: Amilcar lançava seu romance de estreia Barreira, o décimo da coleção Amores Expressos da Companhia das Letras.  O projeto levou 16 escritores brasileiros a diferentes cidades do mundo para escreverem uma história de amor em cada local.
Barreira é ambientado em Istambul, onde Amilcar esteve por um mês em 2007. A obra conta a história de Fátima, uma jovem fotógrafa brasileira que decide viver na capital turca, e seu pai, um imigrante turco estabelecido no sul do Brasil que volta à cidade natal em busca da filha. Fátima se envolve com um artista performático de intenções duvidosas e com um francês autor de guia de viagens.
Amilcar chegou e partiu de Istambul da mesma forma: sem uma história definida. “Isso não me preocupava. Queria sentir a atmosfera da cidade, o que ela podia me passar. Escutá-la e tentar transpô-la para o livro independente da historia que fosse. Fiz um diário -passava o dia andando e anotava tudo: o que via, onde ia. Muita coisa que está na boca e nos atos das personagens são observações e pensamentos meus”, diz. Na segunda parte, por exemplo, Fátima comenta que a primeira impressão que teve de Istambul foi a de que chegava a uma cidade ocre.
O romance demorou seis anos para ficar pronto. “Nunca escrevi um texto que ultrapassasse vinte páginas. Precisei alterar minha prática de escrita. O romancista precisa trabalhar com uma visão mais periférica da estrutura ”, explica. Dividido em três partes, Barreira é composto por estruturas narrativas distintas. A primeira parte, por exemplo, é escrita num fluxo contínuo a partir da visão de Ibrahim, pai de Fátima. “Não sei em qual momento me decidi por esta estrutura. Não faço muitos planos. A primeira frase saiu longa e fui alongando. Achei que casou bem com o estado de espírito da personagem, que vaga por uma cidade que, ao mesmo tempo, é e não é mais sua”, diz.
“A maneira que a história é estruturada é tão ou mais importante em si do que a história que está sendo contada. Eu quero que o leitor se pergunte por que está estruturado desta maneira. Quero se seja instigante para ele. Antes de ser uma expressão de ideias, a expressão literária é, sobretudo, uma expressão estética. A história sequencial, que tem um enredo no qual tudo se esclarece ao final, não me interessa nem um pouco como leitor e nem como escritor”, completa.

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