por Mariana Marinho
Há cerca de 20 anos, quem procurasse por Amilcar Bettega debruçado sobre papel e caneta, exercendo o ofício de escritor, não o encontraria. Isso porque o gaúcho formou-se em Engenharia Civil e, durante cinco anos, trabalhou em canteiro de obra. “Logo de cara sabia que Engenharia não era a minha praia, mas ainda não sabia o que queria fazer. Comecei a escrever tarde, aos 27 anos. Nessa mesma época, decidi fazer o mestrado em Literatura Brasileira. Era uma forma de sistematizar meu conhecimento em literatura, que era lacunar e feito por meio de leituras aleatórias”, conta.
Apesar do início tardio, Amilcar, hoje, é conhecido como um dos mais talentosos contistas brasileiros: pelo volume de contos O vôo da trapezista (Movimento/IEL, 1994) recebeu o prêmio Açorianos de literatura e com Os lados do círculo (Companhia das Letras) conquistou o prêmio Portugal Telecom.
Porém, não foram os contos que o trouxeram ao Espaço Revista CULT: Amilcar lançava seu romance de estreia Barreira, o décimo da coleção Amores Expressos da Companhia das Letras. O projeto levou 16 escritores brasileiros a diferentes cidades do mundo para escreverem uma história de amor em cada local.
Barreira é ambientado em Istambul, onde Amilcar esteve por um mês em 2007. A obra conta a história de Fátima, uma jovem fotógrafa brasileira que decide viver na capital turca, e seu pai, um imigrante turco estabelecido no sul do Brasil que volta à cidade natal em busca da filha. Fátima se envolve com um artista performático de intenções duvidosas e com um francês autor de guia de viagens.
Amilcar chegou e partiu de Istambul da mesma forma: sem uma história definida. “Isso não me preocupava. Queria sentir a atmosfera da cidade, o que ela podia me passar. Escutá-la e tentar transpô-la para o livro independente da historia que fosse. Fiz um diário -passava o dia andando e anotava tudo: o que via, onde ia. Muita coisa que está na boca e nos atos das personagens são observações e pensamentos meus”, diz. Na segunda parte, por exemplo, Fátima comenta que a primeira impressão que teve de Istambul foi a de que chegava a uma cidade ocre.
O romance demorou seis anos para ficar pronto. “Nunca escrevi um texto que ultrapassasse vinte páginas. Precisei alterar minha prática de escrita. O romancista precisa trabalhar com uma visão mais periférica da estrutura ”, explica. Dividido em três partes, Barreira é composto por estruturas narrativas distintas. A primeira parte, por exemplo, é escrita num fluxo contínuo a partir da visão de Ibrahim, pai de Fátima. “Não sei em qual momento me decidi por esta estrutura. Não faço muitos planos. A primeira frase saiu longa e fui alongando. Achei que casou bem com o estado de espírito da personagem, que vaga por uma cidade que, ao mesmo tempo, é e não é mais sua”, diz.
“A maneira que a história é estruturada é tão ou mais importante em si do que a história que está sendo contada. Eu quero que o leitor se pergunte por que está estruturado desta maneira. Quero se seja instigante para ele. Antes de ser uma expressão de ideias, a expressão literária é, sobretudo, uma expressão estética. A história sequencial, que tem um enredo no qual tudo se esclarece ao final, não me interessa nem um pouco como leitor e nem como escritor”, completa.
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