Anotações de leitura: Léa Masina
Setembro, 2012
Estou curiosa para saber o que o Prof. Biagio D´Angelo irá nos dizer sobre esse livro, escolhido como uma das mais importantes representações da literatura do séc.XXI. Para mim, é um estudo meticuloso sobre a dor humana e uma tentativa de dar significado à literatura. Veja-se que o autor apresenta a obra como uma Introdução à Literatura. Para que serve a literatura, senão para nos fazer pensar sobre a natureza humana, onde dor e alegria, ou dor e felicidade, convivem e se completam? Mas a dor sempre prevalece, eis que a literatura é uma forma de exorcismo ou de auto-elaboração (catártica?) do sofrimento de viver que conduz à morte.
Também é um livro político, onde se lê sobre uma Hungria subjugada por russos que, por sua vez, caçam alemães. Uma Hungria que é a pátria enaltecida e vazia, gravada na memória da personagem. E tudo, no final, são discursos. Há muito o que pensar, muito o que dizer, inclusive com relação ao aspecto gráfico do livro, fascinante, atraente como uma pílula de veneno coberta por glacê de chocolate.
Eu o li neste final de semana e fiquei impressionada. De fato, não há propriamente uma história narrada, mas flagrantes de vida. Confiram! Nosso encontro é no dia 6 de outubro e quanto melhor o livro for lido, discutido e pensado, mais sucesso terá o nosso encontro!
Abraço da Léa
léa, querida, li e adorei
ResponderExcluirfiquei impressionada como ele conseguiu unir experimentação formal e conteúdo
tenho visto muitas experiências em relação à forma nos últimos tempos, mas pouquíssimas das que vi conseguiram tratar do assunto de um jeito tão profundo e poético
confirmo minha presença
grande beijo
Assim, ouso colocar a seguir, algumas informações coletadas acerca das referências de Esterhazy, quais sejam:
ResponderExcluir— A mãe e Makxim Górki, publicado em 1907, evoca a crueldade, o absurdo e a opressão da vida sob o regime czarista. Lembra a mãe do dr. Rieux de A Peste, de Camus, sendo que este último, escrito durante a segunda guerra mundial e publicado em 1947, é tido como uma alegoria ao nazismo. No mesmo ano de 1947, Raymond Queneau publica os seus Exercícios de Estilo, onde reconta uma mesma história em 99 estilos diferentes. O estilo nunca pode ser transparente, a linguagem em si se modela e define a realidade subjacente que percebemos, diz Queneau. Em A Peste, um personagem, Grand, achando que morrerá da peste, queima um manuscrito de 50 páginas onde repete indefinidamente a mesma frase, sem nunca terminá-la;
— Em O estrangeiro, publicado em 1942, junto à estudada simplicidade do texto, Camus usa da secura narrativa para gerar um romance onde a frieza emocional está acima dos eventos que compõem a história. O universo prosaico do personagem se presta à constatação do absurdo da ausência de sentido da vida, em um texto conciso, onde nada sobra;
— Os cantos de Maldoror, assinados pelo Conde de Lautréamont, o pseudônimo do uruguaio Ducasse, são uma perturbadora obra de ficção surrealista, onde a negação de Deus é a tônica. O primeiro dos contos foi publicado antes da morte do autor, aos 24 anos e só ganhou notoriedade a partir de 1885, quando a obra de Lautréamont foi publicada por uma revista literária belga. Foi quando começou a encontrar público entre a avant-garde européia. A despeito de seu conteúdo blasfemo, a prosa do uruguaio consegue fazer o totalmente repulsivo parecer bonito e encantador, desafiando a moralidade convencional e os pressupostos da linguagem;
— Georges Bataille, em 1950, traz o tema da morte, da experiência humana, num tratamento pesado à questão da observância da moral religiosa e a verdade da consciência individual., em O Padre C. Em O Azul do Céu, um narrador impotente reflete a impotência ampla do romance, escrito em 1935 e publicado em 1957, onde o personagem testemunha os primeiros sinais de ascensão do nazismo, aparentemente resignado ao triunfo do movimento;
— Donald Barthelme, em 1975, publica O Pai Morto, num impiedoso ataque à autoridade de um pai excêntrico e tirânico que é levado ao próprio funeral. Paródia de Joyce. Toda a noção de verdade objetiva é desprezada e resulta numa narrativa desenfreada de digressões aparentemente inconseqüentes que se juntam de maneira provisória para formar uma trama. Peça fundamental na literatura pós-moderna.
Rackel F F Tambara
O narrador informa no “prefácio” de Verbos Auxiliares do Coração, suas referências literárias, ao se propor a narrar duas semanas depois, a morte da mãe do narrador-personagem, ali incluídas as do próprio autor, Péter Estherázy.
ResponderExcluirDe fato, está presente no livro uma gama de idéias de diversos autores, que resultam numa colagem de outros autores e textos. Ora usa referências longínquas, ora faz transcrições literais. Nem assim é original, pois o uruguaio Isidore Ducasse, ao publicar os seus cantos de Maldoror, já usava e abusava das intervenções autobiográficas, da fusão de vozes de personagem e criador e da relação entre ficção e realidade. Há também, menção a autores húngaros, cuja pesquisa não trazemos aqui, até pela bibliografia escassa.
Contudo, a presença onipresente é Borges. A obra do argentino permeia todo o livro. A forma é Borgiana, rodapés, citações, embora a escatologia presente na narrativa, não seja borgiana. Lautreamont, Bataille, Barthelme, Camus? Talvez.
Se o tema foi tirado de O Estrangeiro — a morte da mãe —, para a ótica do filho, por outro lado foi reforçado com a Beatriz Viterbo, para o contraponto da mãe. Porém, as menções a Borges aparecem veladas no decorrer do texto, mas, sem o vigor do argentino. As citações apócrifas ou não de autores em Borges, tem o propósito de desafiar a suposta intelectualidade de imigrantes europeus que dominavam as letras argentinas. Borges “explica” o falsete. Confunde o leitor incauto, mas revela ao leitor atento o blefe, se bem que escondido sobre camadas e camadas de um conhecimento literário ímpar.
O narrador “modifica” os textos que cita/transcreve, dá-lhes um sentido próprio, como ao citar A Peste, “O céu está vazio”... o narrador “resume” o encontro entre o Dr. Rieux e Jean Tarrou, atribui um sentido diferente à conversa relatada pelo narrador de Camus. Depois, transcreve literalmente o texto dentro do conteúdo do texto e não no rodapé. Uma modificação à Lautreamont?
A intertextualidade faz parte do universo literário, cremos. Não há nenhum “pecado” nisso. Todavia, prefiro acreditar que a intertextualidade não é uma tendência da literatura do século XXI. Esterhazy é um autor contemporâneo? Não cremos. Ok. Ousamos afirmar que Esterhazy é uma novidade para nós, que conhecemos a sua obra agora. A edição original dos Verbos Auxiliares... é de 1985. O texto “bebe” nas fontes da época, apropria-se delas e as repagina. Isso no século XX. Os ecos literários seguem ressoando nas gerações futuras. E Borges, a meu ver, ao pretender encerrar um ciclo da literatura argentina do sec. XIX, criou um sistema literário poderoso que influenciou toda uma geração de escritores, Esterhazy, inclusive. Assim, apenas reacendemos as brasas do que se criou antes. O eco, do eco, do eco...
Peter Esterhazy não consegue esconder o fascínio pelo velho bibliotecário, mesmo diluído entre outros autores. Resultou num livro difícil, instigante, desafiador e põe adjetivos nisso. As camadas de citações não escondem o talento do autor. A concisão herdada de Camus é um espetáculo à parte na obra.
Escritas nesta madrugada, fruto das inquietações, que as leituras e releituras durante a última semana provocaram; essas anotações são apenas a visão de uma leitora, leiga, apaixonada por literatura. Sem maiores pretensões, portanto, dadas as minhas limitações. Quero aprender sempre. Peço desculpas pela ausência de revisão.
Vou colocar em outro post, por exceder à quantidade de caracteres do comentário, parte das anotações.
Parabéns, Rackel, pela tua instigante e atenciosa leitura. E bem informada. A questão dos séculos, a meu ver, não é tão relevante, pois as coisas se gestam num século e vão se transformando até adentrarem o séc seguinte. Na verdade, "Leituras do séc. XXI", para mim, é um recorte do que se está lendo e pensando no Brasil por esses anos. Não necessariamente escritas a partir de 2000. Coo o professor Barberena colocou no primeiro encontro, não há propriamente limites, mas limiares entre as épocas. De qualquer modo, obrigada pela belíssima colaboração. Lamentei o tempo ser escasso para podermos nos manifestar mais ainda na palestra brilhante do Professor Biagio. E agora vams reler (ou ler) Rufatto! abraço da Léa
ResponderExcluirEm 7 de outubro de 2012 14:15, Evanice Pauletti escreveu:
ResponderExcluirIlustres colegas e não menos ilustríssima Mestra:
Deus GOOGLE informa:
Mesmo que eu fale em línguas
A dos homens e a dos anjos
Se me faltar o amor
Sou como o metal que ressoa , um címbalo retumbante
Mesmo que tenha o dom da profecia,
O saber de todos os mistérios e de todo o conhecimento,
Mesmo que tenha a fé mais total ,
A que transporta montanhas,
Se me faltar o amor , nada sou.
Epístola de São Paulo aos Corintios 13 , 1-2
Palpite: a citação de Thomas Bernard que parece não foi identificada (ao menos eu não me lembro se o Biagio identificou) pode estar em In Hora Mortis .
abraço de quem já votou
Evanice
Querida Léa,
ResponderExcluirGanhamos todos com o evento: com informações atualizadas sobre esse país meio insulado, de tradições riquíssimas pouco conhecidas por nós, e sobre aspectos de uma língua quase impossível, tudo confluindo para elucidar a leitura; em competência e solidez na abordagem, porque o estudioso comparatista está sempre plugado em autores e obras que desconhecemos ou de que pouco sabemos, o que deságua em grande riqueza de detalhes.
Com certeza muitos outros ângulos há para mencionar, mas gostaria de deter-me apenas em mais dois, que consolidaram minha adesão e respeito: primeiro, a atitude de nosso palestrante na condução e encaminhamento das perguntas, todas encaradas com seriedade e muito critério, sem aquele ranço de responder por responder ou de apenas demonstrar eruditismo. Mostrou com isso que SE leva a sério e, por via reflexa, também a seus ouvintes. Bom. Muito bom. Segundo: embora todo esse contexto, que poderia fazer do Professor Biagio um vaidoso, ele revelou, ao longo das poucas horas que compartilhamos, ser de e ter uma simplicidade de causar inveja. Oxalá essas qualidades fizessem escola!
Repito, então: ganhamos todos. E a soma, a meu ver, foi bem considerável.
Abraço. E gratíssima por nos propiciar momentos como esse.
Silma Renilda Duarte de Souza